CEUs acompanham mapa dos votos do PT

Dos 21 centros educacionais, 18 estão em redutos eleitorais de Marta Suplicy

Como tudo na vida, o Centro Educacional Unificado do Parque Veredas tem dois lados. Visto do alto do bairro, no extremo leste de São Paulo, é uma obra reluzente, incontrastável. Descendo a rua que o circunda, o espetáculo é bem diferente. No mesmo terreno, do lado de baixo, estão as ruínas de um Centro de Atendimento Integral à Criança (Caic), a solução do ex-presidente Fernando Collor para o problema da educação.

Há uma década, o Caic do Parque Veredas também era uma obra reluzente. Não faltou quase nada para entrar em funcionamento: seus dois prédios, totalizando 48 salas de aula, e mais uma creche, tiveram portas com fechaduras, janelas, lousas, mesas, cadeiras. O impeachment de seu idealizador, em 1992, abortou a inauguração.

Saqueado e depredado, o Caic forma hoje uma estranha composição com o CEU, inaugurado pela prefeita Marta Suplicy, na segunda-feira. As semelhanças na concepção arquitetônica dos dois complexos são intrigantes. Para os mais céticos, o Caic, assim alinhado ao CEU, pode representar um mau presságio. Para os neutros, é apenas a prova da obstinação da Prefeitura em construir os CEUs, custe o que custar.

A Sociedade Amigos do Parque Veredas pediu à Prefeitura que aproveitasse os prédios já prontos do Caic, abrigo noturno de ladrões e drogados, para instalar o seu CEU.

Segundo a secretária municipal de Educação, Maria Aparecida Perez, havia entraves legais para as instalações passarem das mãos do Estado às da Prefeitura. Já o secretário estadual, Gabriel Chalita, diz que a Prefeitura não usou a área porque não quis.

Seja como for, o subprefeito de Itaim Paulista, João Francisco Nascimento, informa que a Prefeitura recuperou a posse no dia 10, e pretende agora fazer ali um centro de qualificação profissional, em parceria com a Central Única dos Trabalhadores, e uma inspetoria da Guarda Civil Metropolitana. O CEU, diz a secretária Perez, não podia esperar.

Desde agosto, a prefeita vem cumprindo uma maratona de inaugurações de CEUs. Até janeiro, serão entregues 21 desses complexos, que incluem salas de aula e creches para 2.400 crianças, três piscinas, quadras poliesportivas, centros de informática, teatros e bibliotecas, ao custo de R$ 17 milhões por unidade. Mais alguns – de 5 a 10 – serão anunciados para 2004.

Redutos – O cruzamento do mapa dos CEUs com o da votação para prefeito em 2000 ajuda a entender o porquê de tanto empenho. A maioria dos CEUs está despontando em fortes redutos eleitorais do PT. Em 18 dos 21 CEUs, Marta Suplicy teve votações acima de sua média na cidade, de 34% (veja mapa), no primeiro turno. Em 15 deles, seus votos beiraram o triplo dos votos do segundo colocado. Em um, estiveram na média; em dois, ficaram em 30%. Num desses, o do Butantã, o ex-secretário de Transportes e marido da secretária de Educação, Carlos Zarattini, deve lançar-se a vereador no ano que vem.

Segundo a Prefeitura, a localização dos CEUs é inspirada no Mapa da Exclusão/Inclusão Social da Cidade de São Paulo, elaborado em 2000 pela vereadora Aldaíza Sposati, do PT. A maioria dos CEUs ficará de fato em regiões de baixa renda familiar. Dezessete deles estão em áreas onde essa renda oscila entre 4,65 e 10 salários mínimos ao ano. Nos outros quatro, ela vai de 10 a 20 salários.

Entretanto, isso não explica por que haverá nove CEUs na zona leste, sete na sul, quatro na oeste e apenas um na zona norte, região onde a pobreza incide tanto quanto nas outras. Esses números formam escala fiel do grau de adesão ao PT na cidade, decrescendo da zona leste para a norte.

Outro dado sintomático é a concentração de CEUs em algumas áreas, como os quatro que aparecem na Capela do Socorro e no Grajaú. A região, conhecida como Tattolândia, é reduto dos irmãos Tatto: Arselino, presidente da Câmara Municipal; Gilmar, secretário de Transportes, e Ênio, deputado estadual. Todos, claro, do PT.

Mas, por que um escolão com um clube acoplado pode ter tanta transcendência política? Simples. A atual gestão herdou um orçamento inteiramente engessado pelas dívidas contraídas pela dupla Paulo Maluf-Celso Pitta. Da receita anual de R$ 10 bilhões – nada desprezíveis se as gestões passadas não tivessem sido, digamos, tão pródigas -, não sobrava praticamente nada depois de pagar as parcelas da dívida, salários, aposentadorias e custeio. A não ser a verba carimbada da educação, que, pela Lei Orgânica do Município, representava obrigatoriamente 30% da receita.

O PT tinha duas saídas: aumentar impostos ou dar um jeito de abocanhar o dinheiro da educação. Optou pelas duas. Aumentou substancialmente o IPTU das classes média e alta e criou novas taxas, que ganharam um nome pouco carinhoso: Martaxa. Ao mesmo tempo, o PT aprovou na Câmara a redução de 30% para 25% da fatia carimbada da educação, que legalmente só pode incluir coisas especificamente ligadas ao ensino. Com a idéia dos CEUs, itens que antes entravam nas rubricas de outras secretarias, como teatros, bibliotecas, centros esportivos e de lazer, telecentros, etc., passaram a entrar no bolo fermentado da educação.

Mas a proeza vai além. A sobretaxação das classes média e alta teria um preço político, aumentando o descontentamento num eleitorado que já não votou em Marta com o mesmo entusiasmo que o de boa parte da periferia. Ela encabeçou a votação do primeiro turno em todas as zonas eleitorais da cidade, com exceção de Indianópolis, onde perdeu para o governador Geraldo Alckmin por 31% a 25% do total de votos. Mas foram vitórias em geral modestas nas manchas de verde mais escuro do mapa.

O CEU, em síntese, canaliza para as regiões de maior projeção eleitoral do PT benefícios cobiçados pela população da periferia, como diversão e esportes, com recursos provenientes da educação e dos impostos cobrados de um contingente muito menor do eleitorado e mais difícil de seduzir.

O CEU vem acompanhado de uma politização da educação, com a transformação dos 13 Núcleos de Ação Educacional em 31 coordenadorias regionais, vinculadas às 31 subprefeituras da cidade. Com isso, os subprefeitos, indicados por vereadores e deputados, e muitos deles com aspirações políticas também, passam a ter ascendência direta sobre as escolas.

Segundo Marisa Lage Albuquerque, presidente do Sindicato de Especialistas de São Paulo (Sinesp), que reúne diretores, coordenadores pedagógicos e supervisores, os efeitos dessa transição são sentidos nas escolas. “Antes, a distribuição de verbas para manutenção das escolas seguia critérios técnicos. Agora, as subprefeituras decidem pelo critério político”, diz Marisa. “Consideramos isso um retrocesso.”

“O que a Prefeitura está fazendo na educação é uma política clientelista de consolidação de bases eleitorais”, diz um vereador da base aliada, ligado à educação.

A secretária de Educação nega que haja clientelismo. Segundo ela, a criação das 31 coordenadorias tem o intuito de “descentralizar a operação”, e a secretaria continuará preparando o orçamento da educação e acompanhando a sua execução na rede de ensino.

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