Não só a proporção do gasto global com educação no Brasil em relação ao Produto Interno Bruto é razoável, em comparação com outros países, como, também, a fatia destinada ao ensino superior.
As universidades públicas no Brasil absorvem 26% dos gastos com educação nos três níveis – federal, estadual e municipal. Nos Estados Unidos, essa fatia é de 25%; na Grã-Bretanha, de 24%, e na Alemanha, 22%.
“Mais dinheiro, todo mundo quer”, diz Simon Schwartzman, diretor-presidente do Instituto de Pesquisas Sociais e Políticas, do Rio, entidade privada sem fins lucrativos que presta consultoria na área de educação. “Mas o custo do ensino superior para o governo já é muito alto. Teria que fazer um sistema mais eficiente, atendendo a mais alunos, e melhor.”
“A deficiência básica do modelo é que a distribuição dos recursos não tem nada a ver com a produção na universidade”, analisa Eunice Durham, do Núcleo de Pesquisas sobre Ensino Superior da Universidade de São Paulo (USP). “O sistema de salários é caótico: salários enormes e benefícios que não têm relação com a dedicação e competência do professor.”
Com o salário garantido, independentemente da produtividade, muitos cursos nas universidades federais têm uma relação custo-benefício lamentável.
Guiomar Namo de Mello, membro do Conselho Nacional de Educação, conta que foi com uma equipe averiguar um curso de licenciatura em matemática na Paraíba que tirou “A” no Exame Nacional de Cursos, o “Provão”. Tinha nove alunos. “É natural que tirassem ‘A'”, diz Guiomar. “O que fica caro em educação é pessoal. Se tiver sala de aula com 12 alunos, mata.”
Maria Helena Guimarães de Castro, secretária interina de Educação Superior e presidente do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais (Inep), diz que fez um curso no Collège de France, em 1989, e tinha que chegar duas horas antes para poder se sentar no grande auditório, com 500 lugares, ou então ficava na sala do lado, vendo pela TV. “E ninguém vai dizer é ruim.”
A evasão no ensino superior é alta – no mundo todo. No Brasil, as universidades federais não têm mecanismo para preencher as vagas deixadas pelos alunos que desistem dos cursos. “Por que entram 30 e se formam 3, 4, 5 ou 10?”, pergunta Maria Helena, que chegou a dar cusro para três alunos na Universidade Estadual de Campinas (Unicamp).
Mas a fuga não é só de alunos. “Há professores que não comparecem às salas de aula, há exageros e desvios”, testemunha Luiz Felippe Perret Serpa, da Faculdade de Educação da Universidade Federal da Bahia. “Há os que se intitulam professores da pós-graduação. Não existe isso. A responsabilidade é das instituições, que não tomam providência.” João Lúcio de Azevedo, aposentado pela Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (Esalq), da USP, calcula: “Nas universidades públicas, metade trabalha e a outra metade não trabalha. Quem trabalha tem que dar conta do recado.”
Não há nenhum controle, como atestou o presidente da Associação Nacional dos Dirigentes do Ensino Superior, Carlos Roberto Antunes, em novembro de 2001, quando o governo liberou dinheiro para pagar só os professores que não estivessem em greve: “Os reitores não têm como saber quem está trabalhando.”
Mesmo que tivessem como saber, não poderiam fazer muita coisa. “Suponha que a universidade conclua que o número de funcionários é elevado e decida diminuir esse número, aumentar a qualificação, pagar melhor e investir em laboratórios”, sugere Eunice Durham. “Ela não pode fazer isso. Para demitir um motorista, habitualmente bêbado, o processo tem que chegar ao presidente da República”, exemplifica. “Não há nenhuma medida contra professores que não trabalham, que não fazem pesquisa. Não proponho um controle empresarial, mas tem que haver algum controle. O relaxamento tende a desmoralizar a universidade.”
“O governo deveria separar as universidades produtivas das não-produtivas”, acha Ivarne Tersarial, professor de bioquímica na Escola Paulista de Medicina e na Universidade de Mogi das Cruzes. “Ele dá o mesmo peso para uma Escola Paulista de Medicina e para uma universidade do Nordeste que não faz pesquisa. Paga o mesmo salário no Acre e em São Paulo.”
Em países como os Estados Unidos e a Inglaterra, os professores das universidades públicas são contratados por critérios semelhantes aos da iniciativa privada: seus salários e benefícios são negociados de acordo com a área em que atuam. Ninguém fica rico dando aula, mas as universidades podem ser pelo menos um pouco mais competitivas ao tentar atrair um economista ou um engenheiro, que não tem necessariamente que ganhar o mesmo que um historiador ou um filósofo.
Os especialistas defendem uma reestruturação nas universidades federais, dando-lhes mais autonomia para gerirem seus recursos, pessoal e investimentos. “Seria um contrato com o governo: a universidade ficaria responsável pelos resultados e definiria como alcançá-los”, explica Simon Schwartzman. “Hoje, acontece o oposto. O governo dá o dinheiro e diz à universidade como ela deve gerir.”
O modelo de autonomia de que a universidade usufrui hoje é o inverso do que o cientista político francês Alexis de Tocqueville descreve em seu livro Democracia na América (1840), observa Maria Helena, do MEC: “Uma democracia efetiva é altamente descentralizada do ponto de vista administrativo, burocrático e financeiro, com algum grau de centralização política no que se refere à gestão global do Estado, com uma avaliação centralizada e prestação de contas.”
Nas universidades públicas, diz a socióloga, ocorre o inverso: “Vivemos uma contradição estrutural permanente, que é total descentralização política e uma autonomia quase soberana, com total centralização administrativa, burocrática e financeira. Essa é a grande contradição do modelo de gestão.”