O Estado ouviu 26 crianças e adolescentes que estudam em 15 escolas públicas de 7 bairros das zonas norte e leste da cidade de São Paulo
15 ANOS, 1.º ANO
ESCOLA ESTADUAL MANOEL DA NÓBREGA
Casa Verde
Ela avalia que suas notas estão boas: teve média geral de 5,5 no semestre. Quer estudar Medicina. Teve média 7 em biologia. No seu caderno, há uma lição sobre o sistema circulatório. “Ele é formado por…?”, pergunta o repórter. “Faringe”, erra a menina; “coração, fígado”, continua tentando. “Ah, não sei. Quando tá no dia da matéria, a gente entende, mas depois esquece.” Ela tem lição de casa a cada três dias.
13 ANOS, 7.ª SÉRIE
ESCOLA ESTADUAL MANOEL DA NÓBREGA
Casa Verde
“Inglês aprendi pouco porque o professor está sempre faltando. Ele é gago e diz que tem de faltar para ir ao médico. Só tem comparecido uma vez por mês. Aprendi o possessive. Acho que é isso.” Ela não sabe como se diz “meu” em inglês. O professor disse que os alunos precisam comprar um livro para estudarem em casa. Mas ainda não passou o nome do livro.
14 ANOS, 8.ª SÉRIE
ESCOLA MUNICIPAL HUMBERTO DANTAS
Vila Nova Cachoeirinha
Ele gosta só de geografia e de história, nas quais tirou média “P”, de “plenamente satisfatório”, a mais alta. Em geografia, diz que está estudando “o mapa geológico”. “Não sei se é esse o nome mesmo.” Mapa-múndi? “Isso.” Está aprendendo sobre Portugal. Não sabe o nome de sua capital, mas sabe que é um país pequeno. “Em história, estou estudando sobre o país de Berlim. Não sei se é país.” Em que época? “Ah, meu, não tá decorado.”
14 ANOS, 8.ª SÉRIE
ESCOLA ESTADUAL PROFESSOR LUIZ GONZAGA RIBEIRO
Vila Nova Cachoeirinha
Sua melhor média no semestre foi “A” em geografia. O que está estudando? “Peraí, deixa eu pegar o caderno.” Volta: “É sobre o continente europeu.” O que sobre o continente? “Não sei. Deixe eu ver aqui. Ah, tudo. População, os rios, tudo.” Que rios? A garota consulta o caderno: “Danúbio, Reno, Vogal.” Não é Voga? “Ah, é.” Ela não lembra o nome de nenhum país por que passa algum desses rios.
13 ANOS, 7.ª SÉRIE
ESCOLA MUNICIPAL HUMBERTO DANTAS
Vila Espanhola
Sua melhor média do semestre foi um “P” em inglês. Sabe fazer frases em inglês? “Com a professora, sim, porque quando erro alguma coisa ela ajuda”, esquiva-se o menino. Consegue se lembrar de palavras: dog, cat, pencil, mas confunde lápis com caneta. Frases-clichê, como Where are you going to? e How old are you?, ele não sabe o que significam. “To eu sabia, mas esqueci. “You ainda não sei.”
10 ANOS, 4.ª SÉRIE
ESCOLA MUNICIPAL TENENTE-AVIADOR FREDERICO GUSTAVO DOS SANTOS
Vila Nova Cachoeirinha
Sua matéria preferida é matemática, em que tirou média “P+”, assim como em português. Ele escolhe uma conta difícil para mostrar seus conhecimentos: 32 dividido por 3. Toma o bloco de anotações do repórter e acerta na conta. E uma de multiplicação? Ele acerta de novo: 23 x 2 = 46. O menino não está tendo educação física. A professora bateu o carro e não comparece há três semanas para as duas aulas semanais.
9 ANOS, 3.ª SÉRIE
ESCOLA ESTADUAL UBALDO COSTA LEITE
Taipas
O menino não se lembra de sua nota em matemática, mas diz que foi “mais ou menos boa”, e que estão estudando contas. O repórter lhe pergunta quanto são 5 vezes 5. Ele faz uma pausa. “Não sei.” E 3 vezes 4? “16?”
11 ANOS, 4.ª SÉRIE
ESCOLA ESTADUAL UBALDO COSTA LEITE
Taipas
Melhores notas: “A” em português e “B” em matemática. “Em português, leio histórias de pintores de quadros explicando as cores e histórias de índios. Eles faziam fortalezas para os portugueses não invadir.” O menino diz que sabe a tabuada de somar, multiplicar e dividir até 10. Acerta as respostas de quanto são 6 vezes 6 e 6 vezes 8. Em todo o semestre, a professora, que dá todas as matérias, só faltou um dia.
9 ANOS, 3.ª SÉRIE
ESCOLA MUNICIPAL PROFESSOR ANDRÉ DE ALCKMIN
Taipas
A menina teve média 10 em português e 9 em matemática. Ciências, história e geografia a professora só vai dar no segundo semestre. Em português, está estudando as sílabas tônicas. Acerta todos os “testes” que o repórter lhe faz. Leu a história de Pinocchio e responde corretamente a perguntas sobre o enredo. Diz que sabe a tabuada de 1, de 2, e de 9. Acerta quanto são 2 vezes 9. É raro sua professora faltar. Na sala de informática, cada aluno usa o computador por 12 minutos. Seus pais, um porteiro e uma dona de casa, ajudam na lição.
8 ANOS, 2.ª SÉRIE
ESCOLA MUNICIPAL PROFESSOR ANDRÉ DE ALCKMIN
Taipas
Também gosta de matemática, e sabe fazer contas de “vezes” e de divisão. À pergunta quanto são 4 vezes 3, ela calcula com os dedinhos e responde certo. Na sala de leitura, leu a história da Pequena Sereia. Sabe contá-la em detalhes.
12 ANOS, 6.ª SÉRIE
ESCOLA ESTADUAL ZARINA ROLIM
Penha
Sua melhor nota este semestre foi em português. “Estou estudando negócio de pretérito, lá, presente.” Lembra-se de algum verbo? “Não, mudei esses dias para o Zarina, não estou pegando bem o ritmo direito.” O menino se transferiu há três semanas. Antes, estudava na Escola Estadual Barão de Ramalho. Um dia, na calçada da escola, antes que o portão se abrisse, vieram três “moleques” que ele não conhecia, o derrubaram no chão e lhe arrancaram dos pés os tênis novos, de R$ 150. De matemática, diz que não entende nada. De inglês, ele ainda não teve nenhuma aula nessa escola. “Acho que a professora está faltando. A gente fica no pátio.”
16 ANOS, 1.º ANO
ESCOLA ESTADUAL NOSSA SENHORA DA PENHA
Penha
Em história, o rapaz está vendo as Cruzadas. Quando foram? “Não peguei só o ano. Mas fiz o trabalho sobre isso. Tinha alguma coisa a ver com religião. A Igreja não queria que os que não acreditavam em Deus ficassem donos das terras.” Ele não se lembra de palavras como “muçulmanos” ou “mouros”. O rapaz diz que nunca teve informática na escola. “Tem computador, mas eles não dão.”
15 ANOS, 1.º ANO
ESCOLA ESTADUAL BARÃO DE RAMALHO
Penha
Sua maior nota foi um 8 em inglês. “Todos os anos estudamos o verbo to be.” Seu repertório inclui frases como What’s your name? e Good morning. Português foi sua pior nota até agora: 2. “A professora mais falta do que vem”, conta a moça. Ela teve nota 6 em história. “Estava aprendendo sobre Esparta e Atenas.” Mas não sabe que elas ficavam na atual Grécia. Em geografia, teve 5. Está vendo “rochas sedimentares”. Mas não sabe dizer o que são elas. Ela fez o Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) e diz que se saiu bem.
15 ANOS, 8.ª SÉRIE
ESCOLA ESTADUAL PADRE ANTÃO
Penha
“O semestre foi bom”, conta o garoto. “Só tirei uma nota vermelha: 4,5 em ciências.” Em história, tirou 7. “Estamos estudando o imperialismo, o desenvolvimento industrial.” Ele não lembra o que é imperialismo. E desenvolvimento industrial? “Estava falando dos povos brasileiros que se desenvolveram.” O garoto prossegue: “O professor de educação física falta direto. Toda quarta-feira, que é dia da aula dele, vai embora. Fala que a mulher dele está doente.”
13 ANOS, 7.ª SÉRIE
ESCOLA MUNICIPAL EDGAR CAVALEIRO
Cangaíba
“Sou um aluno bagunceiro”, avisa o menino. “Adoro geografia. É assim: a gente estuda quanto ainda tem de água no planeta. Aí, a professora leva a gente na sala de internet, a gente entra no Google e pesquisa.”
12 ANOS, 6.ª SÉRIE
ESCOLA MUNICIPAL EDGAR CAVALEIRO
Cangaíba
Neste semestre, sua melhor nota foi em ciências: S. “Nós tá estudando um monte de coisa. Nós só copia as coisas lá”, conta a menina, cujo último trabalho foi sobre vermes. “Verme era as lombrigas. Aprendi que tem que lavar as mãos quando vai no banheiro.” Ela diz que foi bem em todas as matérias. Como é “eu” em inglês? “Fiz a prova na segunda-feira (estamos numa sexta-feira) e já esqueci.” Mas ela pode simular um diálogo: What’s your name? My name is…
11 ANOS, 4.ª SÉRIE
ESCOLA ESTADUAL ANNE FRANK
Cangaíba
Tirou 8,5 em português e “5 e pouco” em matemática. Não se lembra das outras notas. “Li um livro de estória este ano”, conta a menina. “Não estou lembrando de nada agora.” Em matemática, está aprendendo contas de somar de até quatro algarismos. Sabe somar, por exemplo, 105 mais 105. Ainda não tem inglês na escola, mas aprendeu os nomes das cores com a irmã mais velha.
14 ANOS, 8.ª SÉRIE
ESCOLA MUNICIPAL EDGAR CAVALEIRO
Cangaíba
Sua melhor nota foi um “S” (satisfatório) em português. Nas outras, tirou “NS” (não satisfatório). “Falto muito, aí perco a lição”, explica a menina. “Minha mãe (faxineira) vai trabalhar, e tenho que cuidar dos meus dois irmãos menores.” Ela lembra de ter lido o livro O Terceiro Homem, que conta uma história que tem a ver com a sua: “Fala sobre uma menina muito pobre que deixou a mãe lá nessa cidade e veio para São Paulo com 12 anos. Aí, o pai dela morre e ela cuida dos irmãos.” Há cerca de um mês não tem aula de história. “A professora não entra na minha sala porque roubaram o estojo dela lá.” E inglês? “Inglês não sei, porque a aula é de sexta, e quase toda sexta minha mãe tem que passar no médico, e não vou à escola.”
7 ANOS, 2.ª SÉRIE
ESCOLA MUNICIPAL EDGAR CAVALEIRO
Cangaíba
“Não tiro nota na escola”, diz a menina. “Não faço português nem ciências nem geografia. Só faço matemática.” Por quê? “Porque sim. Sei todas as contas.” Sabe somar 3 e 7, por exemplo. A menina diz que seu irmão foi à sala de leitura, mas ela não, porque pensou que não havia. Ela já foi à sala de informática, e também faz desenhos e escreve, além das continhas. “Adoro.”
12 ANOS, 7.ª SÉRIE
SERVIÇO SOCIAL DA INDÚSTRIA (SESI)
Engenheiro Goulart
O menino não lembra qual sua melhor nota, mas diz que sua matéria preferida é inglês. Sabe perguntar “qual o seu nome?”, mas não sabe dizer “eu sou” em inglês. Lembra-se que you é “você”. Em português, vai bem, mas não lembra o que está estudando. “Só tive aula segunda, terça e quarta”, justifica, no fim da manhã de sexta-feira. “Em história, estamos estudando coisas da burguesia”, diz o menino, que lembra que o período são os séculos 16 e 17, mas não quem eram os burgueses.
10 ANOS, 5.ª SÉRIE
ESCOLA ESTADUAL DOM MIGUEL KRUSE
Eng.º Goulart
A matéria em que ele está melhor é português. Está estudando tempo dos verbos. Mas não se lembra de um verbo. Em inglês, o menino diz as palavras que sabe: you, of, yellow, black e green. Ele não lembra o que está estudando em geografia, mas, em história, seu raciocínio é concatenado: “É sobre o que aconteceu antigamente aqui no Brasil. Os portugueses mandaram as pessoas virem aqui procurar riquezas.” Mas não sabe dizer quando aconteceu isso. Seus professores não faltam.
11 ANOS, 2.ª SÉRIE
ESCOLA ESTADUAL MARIA APARECIDA MACHADO JULIANELLI
Eng.º Goulart
Diz que está atrasada na escola porque onde morava antes, em Guarulhos, “não tinha onde estudar”. Mudou-se para Engenheiro Goulart, e entrou direto na 1ª série, sem fazer o pré. Sabe ler? “Mais ou menos. De vez em quando, leio um livro. Não lembro de nenhum que li.” Acerta na subtração de 10 menos 3, mas erra na multiplicação de 3 vezes 2: “5? Não sou boa de conta.”
14 ANOS, 3.ª SÉRIE
ESCOLA ESTADUAL MARIA APARECIDA MACHADO JULIANELLI
Eng.º Goulart
“Repeti de ano porque não ia para a escola”, diz o menino. “Comecei a estudar neste ano.” Antes, ficava na rua brincando. Não trabalha. Sua matéria preferida é matemática. Diz que aprende continhas. Quanto são 6 vezes 6? “Não lembro.” E 7 vezes 5? “Esqueci.” Já leu algum livro? “Não. Precisa, mas não gosto.”
10 ANOS, 4.ª SÉRIE
ESCOLA ESTADUAL MARIA APARECIDA MACHADO JULIANELLI
Eng.º Goulart
“Estou aprendendo uma coisa muito legal: a ler, escrever, fazer contas, tabuada”, entusiasma-se a menina. Quanto são 3 vezes 6? “Não me faz fazer conta difícil, não.” Ela leu uma estória do Sítio do Pica-pau Amarelo. “Lembro que a Emília foi numa terra que o pessoal de lá era todo careca. Só tinha o rei com um fio de cabelo.” Ela estuda à tarde e, de manhã, freqüenta um projeto de uma empresa privada, no qual tem informática, educação física e artes. No dia seguinte, um sábado, o projeto a levaria a um passeio no centro da cidade.
10 ANOS, 4.ª SÉRIE
ESCOLA ESTADUAL MARIA APARECIDA MACHADO JULIANELLI
Eng.º Goulart
Na mesma escola, da mesma série e idade, ele tem mais familiaridade com matemática. Responde pela menina: 3 x 6 = 18. “Gosto de matemática”, diz o menino. “Divisão é mais difícil.” Escolhe dividir 10 por 3, no bloco do repórter, e se atrapalha. Outros colegas o ajudam e por fim conseguem resolver.
11 ANOS, 4.ª SÉRIE
ESCOLA ESTADUAL MARIA APARECIDA MACHADO JULIANELLI
Eng.º Goulart
Em português, a menina diz que está estudando ditongos. E se confunde um pouco ao defini-los: “São duas palavras com encontros vocálicos.” Matemática? “Vou mais ou menos. Conta de dividir é mais difícil.” Ela não tem aula de informática.