Não, não é dinheiro o que falta. Falta saber gastar

É politicamente correto afirmar que o Brasil investe pouco em educação. Não é o que dizem os números.

Os gastos com ensino público, nos níveis federal, estadual e municipal, representam 5,1% do Produto Interno Bruto. Segundo dados da Unesco, nos Estados Unidos essa fatia é de 5,4%; na Alemanha, 4,8%; no Japão e no Chile, 3,6%; na Argentina, 3,5%. A questão não é quanto, mas como se gasta.

No ano 2000, só o governo federal destinou R$ 15,638 bilhões para a educação. O ensino superior absorveu 47% disso: R$ 7,358 bilhões. Desse montante, 87% foi para a folha de pagamentos: R$ 6,398 bilhões. Dois terços desse dinheiro pagaram os salários dos professores e funcionários ativos e um terço, os benefícios dos aposentados e pensionistas. Com os reajustes, a folha de pagamentos já representa hoje mais de 90% dos gastos com ensino superior.

É normal que a maior parte dos recursos seja empregada em salários: a mão-de-obra é o que há de mais caro no ensino. O problema é o índice de produtividade desses assalariados. E o fato de muitos professores e funcionários terem se aposentado cedo demais e com salário integral. Na falta de um sistema previdenciário que se sustente, eles entram no orçamento.

Nas universidades federais, para cada professor, existem 11 alunos. A média da Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico (OCDE), que reúne os 30 países mais desenvolvidos, é de 18 alunos por professor. Muitos professores – em geral, os que têm mais títulos e portanto os mais bem pagos – se recusam a dar aula à noite, ou às sextas-feiras. Ou simplesmente a entrar em sala de aula, refugiando-se noutras atividades.

A relação entre professores e funcionários é ainda mais desfavorável. Para cada professor nas universidades federais, há 1,4 funcionário. Na OCDE, são cerca de 4 professores por funcionário. As universidades não têm autonomia para demitir funcionários e racionalizar a gestão; mas também não há cobrança sobre seu desempenho. Sem apetite para ampliar sua capacidade de atendimento, as universidades públicas absorvem um terço dos 2,7 milhões de estudantes: 1,8 milhão tem de recorrer às particulares.

Salários – A média do salário dos professores das universidades federais é de R$ 3.500 e dos aposentados, R$ 4.300. Pouco ou muito? Depende. Para um médico em São Paulo ou um engenheiro no Rio, pode não ser muito. Para qualquer profissional na maior parte do País, não está mau. Mas o Regime Jurídico Único, um dos tabus do funcionalismo público, não permite que os salários tenham relação com o mercado.

Pela tabela salarial, o maior salário de um professor de universidade federal, incluindo a Gratificação de Estímulo à Docência (GED) e o reajuste deste ano, é o do professor-titular com dedicação exclusiva: R$ 6.533. Dos 50.165 professores na ativa, 2.109 estão nessa condição. Outros 4.444 são adjuntos de nível 4, que ganham, pela tabela, R$ 5.429. E assim por diante.

Mas a tabela por si só não explica a média salarial dos professores. Até recentemente, eles incorporavam em seus salários as gratificações de cargos de confiança exercidos no funcionalismo, à razão de 20% por ano. Ficando cinco anos no cargo, incorporavam 100% da gratificação. E se aposentavam com ele. Parecer de dezembro de 1999 da Advocacia Geral da União concluiu que a prática não tem respaldo legal. Mas as incorporações são fato consumado.

Além disso, muitos professores ganharam na Justiça reposição de perdas salariais pelos planos de estabilização econômica. O Plano Bresser rendeu 26%; o Plano Collor, 84%. O holerite de muitos professores é uma lista de códigos e números, cuja linha final, a do salário pago, mantém uma respeitável distância da primeira linha, a do salário básico. 

Pela lei, funcionário público não pode ter salário mais alto que o do ministro: R$ 8 mil. Muitos recebem mais, como direito adquirido, a começar pelo ministro da Educação, Paulo Renato de Souza, ex-professor da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). Alguns salários ultrapassam R$ 30 mil.

Somadas, as distorções nos salários custam quase R$ 700 milhões por ano e põem de cabeça para baixo os critérios da remuneração. Um professor apenas com graduação pode ganhar bem mais do que outro repleto de títulos. Para arcar com salários e aposentadorias altos, o sistema paga mal a uma minoria:

29,57% dos professores das federais recebiam menos de R$ 3 mil em agosto do ano passado, portanto antes do dissídio de 3,5% e do aumento de 13,5% que pôs fim à greve; assim como 27,66% dos aposentados.

A média salarial dos aposentados é mais alta porque, até 1997, ao se aposentarem, os professores eram promovidos de classe – o auxiliar passava a ganhar como assistente, que subia para adjunto, que virava titular. Lei de dezembro de 1997 revogou esse esquema.

Os professores que ganham mais são, em muitos casos, os que dão menos aulas.

Os que estão no topo da carreira, os titulares doutores, dedicam-se preferencialmente a orientar pesquisas na pós-graduação. Graças a uma “flexibilização” da dedicação exclusiva, introduzida em 1988, tendem a empregar seu tempo e o prestígio da instituição para prestar serviços de consultoria na praça, embolsando pelo menos uma parte do pagamento.

O governo vinha corrigindo as distorções e incentivando os professores a darem mais aula por meio da GED, que varia de acordo com a produtividade.

Segundo os cálculos da Secretaria de Ensino Superior do Ministério da Educação, de 1995 a 2001, os professores tiveram aumento de até 68%, conforme a dedicação. A greve do ano passado interrompeu esse processo. Os grevistas rejeitaram a proposta do governo de reajustar os salários por meio da GED e exigiram aumento linear.

Apesar dos sinais de que algumas mudanças precisariam ao menos ser discutidas, uma barreira corporativa protege as universidades públicas de uma reforma. O governo promoveu reformas radicais nos ensinos fundamental e médio nos últimos anos, mas não conseguiu avançar no ensino superior.

Enquanto o setor privado se mobiliza para atender à explosão de demanda decorrente do aumento das matrículas no ensino médio, as universidades públicas, sobretudo as federais, permanecem virtualmente estáticas.

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