Nesses sete anos de gestão, o ministro da Educação, Paulo Renato de Souza, conseguiu descentralizar tudo no ensino fundamental:
A merenda, a compra do livro, a distribuição das verbas para as escolas municipais e até a realização do Censo Escolar. No ensino superior, Paulo Renato e seu antecessor José Goldemberg tentaram dar autonomia para as universidades gerirem seus recursos, pessoal e investimentos, em troca de controle centralizado da qualidade do ensino. Não conseguiram.
“Para o MEC, foi mais fácil ajudar os Estados e municípios a arrumarem a própria casa do que arrumar o ensino superior”, comenta Guiomar Namo de Mello, que foi relatora da reforma do ensino médio.
“O plano foi abandonado, porque não houve vontade política para enfrentar a oposição dos docentes”, lembra Eunice Durham, ex-secretária de Políticas Educacionais do Ministério da Educação (1995-96). “Os alunos também foram contra, não sei por quê.”
O principal motivo da resistência da corporação é o apego ao Regime Jurídico Único, que garante estabilidade no emprego, aumentos lineares e salários iguais em todas as regiões do País e áreas de atuação, apesar das disparidades brutais – e da intenção do próprio MEC. “Este governo é contra a isonomia e a paridade”, diz a secretária de Ensino Superior, Maria Helena Guimarães de Castro, que representou o Ministério da Educação nas negociações com os grevistas. “Entendemos que elas acabam sendo desincentivo na carreira para os que produzem mais.”
“Até o início dos anos 80, as associações de docentes eram espaço de debate”, recorda Eunice Durham, do Núcleo de Estudos e Pesquisas do Ensino Superior da USP. “Transformaram-se em sindicatos e passaram a fazer reivindicações puramente corporativas. É uma força extremamente conservadora, um elemento de freio para qualquer transformação do sistema.”
O movimento estudantil acompanhou: “Tornou-se retrógrado, autoritário, ignorante quanto ao que se passa na universidade”, diz Eunice. “Uma minoria participa de suas ações, freqüentemente violentas.” Ela teme que chegue “um momento em que a universidade pública se torne irrelevante, porque não cumpre sua função social”.
“Há setores aguerridos, minoritários, os taleban daqui”, compara Ronaldo Salvagni, do Departamento de Engenharia Mecânica da Escola Politécnica da USP. Salvagni apresentou, em 1998, uma proposta de criação de mestrado profissionalizante, que despertou “enorme interesse na indústria automotiva”. Só conseguiu aprovação em 2000.
“Foi, voltou. Os órgãos se reúnem a cada dois meses, pedem vistas, usaram táticas de protelação durante dois anos”, conta o professor. “Até que não deu mais. Então, criaram regras para dificultar.” Salvagni pediu prazo máximo de 30 meses para o curso. “O Conselho de Pós-Graduação, instância de atuação dos setores mais acadêmicos e mais conservadores, reduziu para 24 meses.” O mestrado acadêmico tem prazo de 48 meses. “Não deram justificativa.”
Não aceitaram que os alunos de fora tivessem seis meses para conhecerem e escolherem o orientador. Já têm que entrar com orientador definido. “No mestrado acadêmico, pode. No profissionalizante, não”, reclama Salvagni. “Os orientadores do curso profissionalizante são os mesmos do acadêmico. E há na USP um limite de dez orientandos por orientador. Criamos um curso a mais com o mesmo corpo de orientadores. Não estou conseguindo sensibilizar o Conselho a flexibilizar essas regras.”
“Há setores, grupos, mais acadêmicos e conservadores, que não são favoráveis a esse tipo de curso, incluindo o dos alunos, em razão de dogmas do movimento estudantil”, analisa o professor da Politécnica. “Ser contra o mestrado profissionalizante virou palavra de ordem da União Nacional dos Estudantes, afirmando que seria o princípio do ensino pago.”
Há um purismo peculiar na universidade pública. Carlos Tasso Eira de Aquino, coordenador de Alianças e Parcerias Estratégicas da Fundação de Desenvolvimento da Unicamp, conta que, originalmente, esse órgão se chamava Coordenadoria de Novos Negócios. “Mas a palavra ‘negócios’ é proibida dentro da universidade”, explica. “Os xiitas vêem a Fundação”, criada há 24 anos para fazer a interface entre a universidade e a sociedade, “como prostituição da universidade pública.”
Não que a relação com a iniciativa privada esteja livre de problemas. As fundações criadas nas universidades federais e estaduais e as consultorias prestadas pelos professores têm sido alvo de muitas críticas, porque nem sempre os benefícios revertem para a instituição.
Luiz Felippe Perret Serpa, da da Universidade Federal da Bahia, alerta para “o uso privado da coisa pública” por meio das consultorias. “As universidades se transformaram em federações de fundações”, critica o especialista. “Para um professor de administração, por exemplo, é muito cômodo criar uma fundação. Ele compete em condição desigual com outras empresas, usando o nome da universidade.” Serpa propõe que a receita obtida com esses serviços seja destinada ao caixa da universidade.
“Falta à universidade pública espírito de negócio”, diagnostica Guiomar Namo de Mello. “A mentalidade de negócios entrou na universidade pela via da consultoria, o que mostra a grande hipocrisia em dizer que ensino não é negócio. Os professores sérios são vestais, não fazem negócios. Os que fazem negócios não são sérios. No meio, não há nada.”