Gerhard Schroeder comprometeu-se a obter mandato para negociar zona comercial.
RIO – O governo alemão, que preside atualmente a Comissão Européia, comprometeu-se ontem a obter mandato negociador completo, incluindo o setor agrícola, para levar adiante a associação da União Européia com o Mercosul. O compromisso forneceu respaldo político à declaração firmada ontem no Rio por empresários do Mercosul e da União Européia, pedindo aos governos dos dois blocos a criação de uma zona de livre comércio.
Em carta ao Fórum Empresarial Mercosul-União Européia, que se encerrou ontem, o chanceler alemão, Gerhard Schroeder, assumiu o compromisso de “providenciar” a obtenção, pela Comissão Européia, de “mandato para negociar uma zona de livre comércio comum com o Mercosul”. O mandato negociador, equivalente europeu do fast track americano, é fornecido pelo conselho dos 15 Estados membros.
Desde 1995, quando foi firmado acordo quadro para associação inter-regional, o Mercosul – e o empresariado europeu com interesses aqui – vem esperando que a Comissão Européia receba mandato negociador completo, ou seja, incluindo o setor agrícola. Alguns países europeus, liderados pela França, resistem à negociação para reduzir seus subsídios agrícolas. O tema, politicamente delicado, é debatido desde a Rodada do Uruguai do antigo Acordo Geral de Tarifas e Comércio (Gatt), no âmbito do Grupo de Cairnes, que envolve países do mundo inteiro.
O Fórum Empresarial foi capaz de aglutinar as pressões dos grupos industriais e financeiros europeus – sobretudo alemães – que anseiam pela maior liberalização dos negócios com o Mercosul. Os países do Cone Sul condicionam a maior abertura de seus mercados a uma associação inter-regional que derrubasse barreiras tarifárias e não-tarifárias aos produtos do Mercosul. As mais altas e mais difíceis de derrubar são as do setor agrícola, altamente protegido na Europa.
Em seu painel de ontem, o ministro do Desenvolvimento, Indústria e Comércio, Celso Lafer, colocou em números o protecionismo europeu. Apesar de uma redução da média das tarifas agrícolas de 25%, em 1995, para 20%, em 1998, há ainda 280 produtos com tarifas acima de 50% – entre eles cereais, carnes, laticínios e açúcar – em que os países do Mercosul são altamente competitivos.
Indagado se o Brasil e o Mercosul tinham uma estratégia para obter a redução das barreiras, Lafer, ex-representante brasileiro na Organização Mundial do Comércio, foi cauteloso, lembrando que isso vem sendo discutido em nível mundial pelo Grupo de Cairnes.
Pelo que se viu ontem, é da pressão alemã que se pode esperar uma saída para o impasse. O alemão Martin Bangemann, membro da Comissão Européia, disse, na entrevista coletiva que encerrou o encontro: “Se a Comissão não obtiver um mandato negociador completo até dia 30 de junho, teremos cometido um erro político.” Até essa data, a Alemanha estará na presidência da comissão. O timing é preciso: nos dias 28 e 29 de junho, haverá reunião de cúpula, no Rio, entre União Européia, América Latina e Caribe.
A política agrícola européia tem de ser mudada, declarou Bangemann, “até porque ela é politicamente absurda”. Segundo ele, 80% do dinheiro gasto em subsídios vai para 20% dos fazendeiros: “Só serve para tornar os ricos mais ricos.” Além disso, a Agenda 2000 da União Européia, já aprovada, prevê a aceitação de novos países membros da Europa Central e Oriental.
Enquanto na Europa Ocidental a agricultura emprega, em média, menos de 4% da população, num país como a Polônia, essa fatia sobe para 37%. “Assim, sairia caro demais manter a atual política de subsídios.” A exclusão do setor agrícola das negociações as deixaria inteiramente esvaziadas. Até porque, como lembrou Bangemann, a Organização Mundial do Comércio veta a exclusão de setores em zonas de livre comércio.
O fórum empresarial reuniu 250 executivos da indústria e dos serviços. Não teve participação de agropecuaristas. Mas o co-presidente do evento, Roberto Teixeira da Costa, disse ter recebido manifestações de líderes agropecuaristas, que desejam participar das reuniões setoriais que se seguirão entre os dois blocos, para identificar entraves específicos ao livre comércio.
Dessas reuniões deverão sair subsídios para os governos encaminhar as negociações. Embaixadores e secretários das áreas de comércio exterior e integração dos dois blocos se reuniram há três semanas no México, para preparar a cúpula de junho, e voltarão a reunir-se no fim de março ou princípios de abril, já para discutir a resposta dos governos à proposta dos empresários. Do lado brasileiro, ela receberá apoio entusiástico, desde que esteja garantida a inclusão do tema do protecionismo agrícola.
Mesmo assim, o Itamaraty não quer dar a impressão de que está preocupado com a penetração apenas de produtos agrícolas. O embaixador Clodoaldo Hugueney, que assumirá no mês que vem a representação do Brasil perante a União Européia, e o diretor-geral de Promoção Comercial do Itamaraty, Roberto Jaguaribe, enfatizaram que o Brasil tem setores industriais competitivos, que exportam mais para os Estados Unidos do que para a UE, onde será preciso identificar e afastar obstáculos.
Citaram como exemplos: aço, máquinas, software, autopeças, mármore e granito, jóias e bijuterias. “Não é só uma questão de aumentar nossa participação quantitativa”, disse Jaguaribe, referindo-se ao déficit comercial de mais de US$ 6 bilhões anuais do Mercosul em relação à União Européia. “É preciso, também, mudá-la qualitativamente, com maior diversidade na pauta de exportações e incluindo produtos de maior valor agregado.” E não se trata só de comércio. A Declaração do Rio, firmada ontem, defende desregulamentação e privatização.
Teixeira da Costa explicou que o Mercosul pleiteia a redução de subsídios para as estatais europeias, que concorrem com empresas do Mercosul em situação privilegiada, na aviação comercial, por exemplo. A ironia não escapou a Bangemann: “Há 20 anos, nós é que pregávamos a privatização na América Latina. Agora, são vocês que a pregam para nós.”