Abordagem mais direta de temas recebe elogios, mas política externa é considerada discrepante
O discurso do chanceler Luiz Felipe Lampreia na abertura da Assembléia-Geral da Organização das Nações Unidas (ONU), segunda-feira, em Nova York, foi elogiado por especialistas em relações internacionais pela abordagem mais direta dos temas específicos de interesse do Brasil, em contraste com anos anteriores. Mas analistas ouvidos pelo Estado apontam desequilíbrios no tratamento dos diferentes problemas e discrepâncias entre o discurso e a prática da política externa brasileira.
“É bem-vindo o esforço de ser um pouquinho mais firme, menos evasivo, tentando enfocar a América Latina, em comparação com os anos anteriores, em que os discursos eram muito amplos, voltados para as questões mundiais”, diz o professor Lytton Guimarães, da Universidade de Brasília (UnB). “Só que isso poderia ter acontecido antes.” No discurso, Lampreia citou todos os países da América do Sul e o México, falando do interesse brasileiro na situação de cada um.
“É cedo para dizer até que ponto o discurso indica uma orientação mais firme”, ressalva Guimarães. “O Brasil sempre ficou muito em cima do muro, preocupado em não ofender A ou B.” Ele cita o caso de Timor Leste: por causa de “receio exagerado de não ofender a Indonésia”, o Brasil não teve a “atuação que poderia ter tido”.
A menção a Timor Leste irritou o professor Eliézer Rizzo de Oliveira, da Unicamp. “É uma vergonha o Brasil participar só com 51 homens numa força de 8 mil”, avalia o especialista em defesa. “Se a política externa tiver de ser decidida pelo Ministério da Fazenda, é melhor pararmos de brincadeira”, diz.
“O Brasil tinha de pensar muito mais alto suas responsabilidades internacionais: o País afirma em documentos diplomáticos e militares que dá importância para a questão de Timor e envia uma força inteiramente simbólica?”
As incongruências apontadas não param aí. “Uma coisa é o que diz o chanceler, outra coisa é como o Brasil se comporta diante da Argentina”, afirma o professor Marco Cepik, da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). No discurso, Lampreia salientou a “sólida amizade” que une o Brasil e a Argentina e a importância do Mercosul. “Mesmo que possamos colocar a Argentina de joelhos, como já foi feito em outras ocasiões, não sei o que ganharíamos com isso”, raciocina Cepik,
referindo-se às reações brasileiras às medidas protecionistas argentinas. “É uma pá de cal no Mercosul.” Para o analista, o Brasil tem reagido segundo os interesses de setores exportadores, agora representados pelo ministro da Agricultura, Marcus Vinicius Pratini de Moraes.
Cepik concorda que, “se se olha a questão pelo foco muito estrito do contencioso comercial, fazem sentido as retaliações às medidas protecionistas unilaterais” da Argentina. “Mas, como país, não devemos ter essa atitude”, analisa. “Temos mais interesses, em termos políticos e diplomáticos, a preservar no Mercosul do que a Argentina e por isso teríamos de tolerar mais as provocações deles.”
O professor acha que o País é “firme demais onde não deve ser”, como no caso da Argentina, e “tíbio onde deveria ser firme”, como no caso de Timor Leste.
“Mesmo para reagir ao bolivarianismo de (Hugo) Chávez, ele devia ter explicado que o compromisso do Brasil com a integração tem o conteúdo programático baseado na democracia e nas leis de mercado”, diz Cepik, referindo-se às possíveis tendências estatizantes e antidemocráticas do presidente venezuelano.
Para Cepik, ao mencionar o interesse do Brasil na integração da América do Sul, o chanceler deveria ter dito com todas as letras que esse interesse se reflete nas negociações com a União Européia e para formar a Área de Livre Comércio das Américas (Alca).
Já o professor José Augusto Guilhon Albuquerque, da USP, critica a ênfase “excessiva” na América do Sul. “O Brasil deveria ter mais tempo para se afirmar como liderança regional clara, que poderá assumir, com certeza”, ressalta o especialista. Albuquerque elogia, porém, o fato de o discurso incorporar “novos temas da política internacional, como tráfico de drogas, corrupção e a questão nuclear” e o peso dado aos temas econômicos e comerciais, “não em tom denunciativo e queixoso, mas afirmativo, mostrando que o Brasil está fazendo o dever de casa e merece respeito”.