Lampreia diz ter `notícias alentadoras’ de que pode sair mandato negociador completo para UE.
A França está emitindo sinais de que abrirá caminho para a concessão de um mandato completo à Comissão Européia, incluindo o setor agrícola, para negociar uma associação com o Mercosul. A boa notícia chegou ao governo brasileiro na véspera da abertura do Fórum Econômico Mundial, que começa hoje, em Santiago. A caminho do Chile, o ministro das Relações Exteriores, Luiz Felipe Lampreia, passou pelo Estado e falou sobre as perspectivas do Mercosul em relação não só à União Européia, mas também à Área de Livre Comércio das Américas (Alca) e à Comunidade Andina.
Estado – Qual a sua expectativa em relação ao Fórum Econômico Mundial?
Luiz Felipe Lampreia – É um momento significativo, porque o Mercosul havia perdido um tanto da sua atratividade em razão da crise financeira e também dos problemas comerciais que nós temos tido. O Fórum vai nos dar a ocasião de fazer um balanço – muito menos negativo do que possa parecer.
Estado – Como estão as negociações com a Comunidade Andina?
Lampreia – Estamos numa fase de negociação conclusiva. Tivemos uma sessão agora em abril e vamos ter em maio uma nova rodada, que vai permitir que se chegue a um acordo. Temos tido de perseguir esse acordo exclusivamente como Brasil, e não como Mercosul, porque, infelizmente, não foi possível, depois de dois anos de tentativas, encontrar denominadores comuns com nossos sócios no Mercosul. Alguns deles têm seus próprios acordos com alguns países andinos individualmente. Portanto, o Brasil resolveu também procurar chegar a um resultado sozinho, mas com vistas a que, no futuro, isso seja substituído por um acordo de livre comércio entre todo o Mercosul e toda a Comunidade Andina.
Estado – A eleição na Venezuela de Hugo Chávez (que chega hoje a Brasília), um bolivariano, facilita essa aproximação?
Lampreia – Sem dúvida, porque ele tem sido muito claro em declarar que acha muito importante uma ligação da Comunidade Andina com o Mercosul e creio que essa sinalização pode ser decisiva, porque a Venezuela é um país muito importante. Estado – A Colômbia, que é aí o país mais importante comercialmente, oferece mais resistência?
Lampreia – Talvez tenha sido o país relativamente mais exigente e mais preocupado também pela proteção de sua própria indústria, mas eu tenho a convicção de que nós vamos saber superar isso.
Estado – Aquela promessa da Alemanha, feita no Rio de Janeiro, no Fórum Empresarial (União Européia-Mercosul) de empenhar-se em obter para a Comissão Européia ainda nessa gestão, que termina em junho, um mandato negociador completo, que inclua o setor agrícola, está se cumprindo?
Lampreia – Sim. A presidência alemã de turno da Comissão Européia está sendo incansável na busca desse acordo, que ainda não se fez, embora tenhamos tido notícias, nesses últimos dias, bastante mais alentadoras, mas ainda não há um acordo formal para dar à comissão um mandato negociador. Essa é uma situação que nos preocupa, porque nós queremos que a reunião do Rio (de cúpula América Latina-União Européia, no fim de junho) seja marcada por esse passo decisivo, que será o início das negociações e coincidirá com o processo negociador com a Alca, que está em marcha.
Estado – A França é a que oferece maior resistência, por causa da força do seu setor agrícola. É internamente, na França, que se resolve isso, na correlação de forças entre os setores da indústria e serviços, de um lado, e agrícola, de outro?
Lampreia – O setor agrícola francês é muito forte e poderoso, mas há também que levar em conta os interesses importantes dos setores de serviços e industrial, que têm na América Latina e particularmente no Mercosul e no Brasil em especial grandes interesses e grande perspectiva. Basta ver a participação não só das grandes indústrias, como a Renault, mas as próprias empresas de serviços, como a Alcatel e a Générale des Eaux e outras empresas, de maneira que, dentro da França mesmo, há uma corrente muito forte que quer essa negociação e há um sentimento majoritário muito forte em toda a União Européia a favor de um acordo com o Mercosul.
Estado – A Alemanha assumiu a dianteira por estar na presidência de turno da Comissão Européia ou porque, na correlação de forças econômicas alemã, o setor industrial fala mais alto em comparação com a da França?
Lampreia – A indústria alemã é relativamente mais poderosa, mas a Alemanha está dando particular ênfase a essa questão por estar na presidência e, portanto, por querer fazer dela um momento marcante.
Estado – Qual a importância, para o Brasil, de avançar paralelamente em direção à União Européia e à Alca?
Lampreia – Um avanço apenas numa direção falsearia a base atual de suporte da nossa economia, que é a de uma grande diversificação de parcerias. Se viéssemos a concentrar todo nosso relacionamento comercial e de investimentos, seja na Europa, seja no continente americano, perderíamos as vantagens dessa pluralidade de parcerias. Não queremos isso.
Estado – O Proex (Programa de Apoio à Exportação) levou dois golpes recentemente. Foi retirado dos bens de consumo exportados para o Mercosul e no painel da OMC (Organização Mundial do Comércio) sobre a Embraer, o Brasil perdeu. O Proex está em xeque?
Lampreia – Eu diria que o problema maior que o Proex sofreu não foi nenhum desses dois. Foi o fato de que, com o ajuste fiscal, houve redução das verbas e, com a desvalorização, houve redução do valor em dólar do Proex. Em razão disso, tivemos de fazer o ajuste, no caso do Mercosul, que vinha a corresponder com um interesse que nossos parceiros estavam manifestando. Por outro lado, a questão Embraer-Bombardier está em aberto, porque ainda não houve sequer as apelações. O veredicto do Órgão de Apelações deve sair em setembro. Só então podemos começar a examinar efetivamente que adaptações serão feitas no Proex.
Estado – O Itamaraty foi criticado pela forma como conduziu a defesa, por exemplo, por ter contratado advogados americanos, sem familiaridade com o regime brasileiro. Há uma autocrítica a ser feita?
Lampreia – Não. Foi feito da melhor maneira possível, e a prova é que, em duas questões importantes, ganhamos do Canadá (desativando os programas “Parceiros Tecnológicos do Canadá” e “Conta Canadá”, de subsídio à produção).