Cerimônia tradicional do Xingu recorda sertanistas mortos.
PARQUE DO XINGU — A avioneta faz um vôo rasante de reconhecimento da curta pista de terra, dá uma volta e finalmente pousa. Os índios, pintados e ornados para a festa, gritam e riem. Do avião, desce o sertanista Orlando Villas-Boas, lenda viva da antropologia brasileira. Orlando, de 84 anos, mas com uma energia de 60, veio para o Quarup — a festa dos mortos — de seus irmãos Cláudio e Álvaro e do guerreiro Maricá, da tribo camaiurá.
Villas-Boas, sua mulher Marina e os filhos Orlando Filho e Noel vão-se manchando de urucum, ao abraçar os índios. O cacique Aritana, que inspirou a telenovela, vai apresentando os homens, um a um. “Tanaca já está deste tamanho?”, surpreende-se Villas-Boas, que há 14 anos não vinha ao Parque Nacional do Xingu, no Mato Grosso, que ajudou a criar.
No fim da fila, o sertanista finalmente encontra os troncos cerimoniais, que representam os três mortos, pintados como os rostos dos índios e com cocares. Villas-Boas chora e ri diante da representação de Cláudio, que morreu no dia 1.° de março. A morte de Álvaro está mais distante: 1996. Já o outro irmão que completava o quadriunvirato de sertanistas, Leonardo, morreu em 1961.
O Quarup, característico das etnias que habitam o Xingu, é a festa mais famosa dos índios brasileiros. Esta, foi realizada ontem e anteontem na aldeia dos camaiurás, pelos anfitriões e pelos iaualapitis, os auetis, os uaurás e os meinacos, num total de 400 índios.
O Parque do Xingu abriga 14 etnias, somando 3,5 mil habitantes. No fim da tarde de sábado, foram chegando os cuicurus, os calapalos, os matipus e os nafuquás. Da festa de domingo, participaram cerca de mil índios, incluindo dezenas de lutadores de huka-huka, a tradicional luta do Xingu.
Na noite de sábado para domingo, pajés e leigos velaram os três troncos cerimoniais, ou quarups. De manhã, o ministro da Justiça, Renan Calheiros, e o senador Iris Rezende (PMDB) chegaram para a festa, em aviões separados.
Enquanto faziam declarações em favor da causa indígena, desafiaram a superstição e posaram de cocar, que prenuncia a morte.