A gestão do presidente da Funai, morto em acidente aéreo.
Quando Sulivan Silvestre de Oliveira assumiu a presidência da Funai, em agosto de 1997, a ampla sala reservada ao ocupante do cargo era periodicamente invadida por índios pintados para a guerra, descontentes com o declínio das ações assistencialistas do órgão. O penúltimo presidente, Márcio Santilli, saíra por causa das pressões da “máfia da Funai”. O antecessor de Sulivan, Júlio Gaiger, durara um ano. A presidência da Funai era considerada o pior cargo do governo federal. O órgão era símbolo do Estado falido e corrupto.
No último ano e meio, essa imagem vinha sendo mudada lentamente, enquanto Sulivan batia os recordes de permanência do cargo e de inviolabilidade de sua sala. Sulivan introduziu uma nova mentalidade na Funai. Ao contrário dos presidentes anteriores, não tinha experiência na área indigenista.
Trazido por Íris Rezende, recém-empossado ministro da Justiça, Sulivan imprimiu um ritmo pragmático à sua gestão. Procurador de Justiça de Goiás, ele usou seu conhecimento jurídico para comandar uma espécie de mutirão legal, destravando, com sua equipe de advogados, centenas de processos de regularização de terras indígenas.
Até 1995, havia cerca de 30 milhões de hectares registrados como posse definitiva dos índios. Desde o início do primeiro mandato de Fernando Henrique Cardoso, outros 28,4 millhões de hectares foram registrados.
Desses, 23 milhões na gestão de Sulivan. Somadas todas as terras, nos diversos estágios de regularização, 11% do território nacional está sendo reservado para os 330 mil índios – de 215 etnias – do País.
Sulivan tinha, porém, consciência de que dar terras para os índios não resolve o problema deles – além de criar problemas para os não índios expulsos, embora isso não seja preocupação para um presidente da Funai. “O desafio, agora, é tornar essas terras produtivas”, disse Sulivan, em entrevista ao Estado, em julho.
Demolindo tabus, o presidente da Funai propunha a exploração ecologicamente sustentável da agricultura, da madeira e até da mineração nas terras dos índios aculturados. Para os índios isolados, defendia a política das frentes de contato, pontificando: “Se a Funai não chegar, outros chegarão antes.”
Essas teses provocaram alvoroço em indigenistas, alguns ocupantes de cargos de diretoria na Funai. Contrário ao paternalismo e ao integracionismo, mas, ao mesmo tempo, favorável ao ingresso dos índios aculturados na “sociedade tecnológica”, Sulivan sabia estar botando a mão no vespeiro de “direitos adquiridos”, de interesses longamente nutridos e de convicções arraigadas.
Pressentia, também, estar caminhando na areia movediça dos conceitos polêmicos e contraditórios que envolvem a política do Estado brasileiro para os índios. Mas soube enfrentá-los com inteligência e honestidade intelectual.