O governador de Mato Grosso, e rei da soja, quer provar que agronegócio e lei ambiental são compatíveis.
CUIABÁ – Quando Blairo Maggi, o rei da soja, foi eleito governador de Mato Grosso, há um ano, muitos ambientalistas pensaram que a raposa ia tomar conta do galinheiro. E temeram pelo futuro das galinhas – o meio ambiente do Estado em geral e a Amazônia matogrossense em particular.
Depois de cobrir o cerrado, a soja avança agora sobre a parcela de floresta de Mato Grosso, circundando avidamente o Parque Nacional do Xingu. Com o Grupo Maggi na vanguarda da aquisição de terras e instalação de armazéns. E com o governador articulando os setores público e privado na montagem de arrojada logística para o escoamento dos grãos. (ver mapa)
O País todo vive um compreensível deslumbramento com o agronegócio – do qual a soja é vedete – por causa dos resultados nas exportações, que têm puxado não só a balança comercial, mas o próprio Produto Interno Bruto. Do que Mato Grosso exporta, 88% está ligado à soja. Dos 28 milhões de hectares desmatados em Mato Grosso, 5 milhões são usados na agricultura; e, desses, 4 milhões na soja.
No Estado que já lidera o ranking de queimadas, é natural que soe o alarme (ver gráfico). Ao lado desse título, Mato Grosso detém outro: é o Estado com o mais avançado sistema de cadastro e monitoramento de licenças ambientais em propriedades rurais, implantado na gestão anterior, do governador Dante de Oliveira (PSDB). Ou, mais precisamente, o único que parece ter um sistema avançado.
Enquanto o Ibama e órgãos estaduais do resto do País trabalham com licenças ambientais de papel – que ficam só nele, sendo rotineiramente desobedecidas -, a Fundação Estadual do Meio Ambiente de Mato Grosso (Fema-MT) tem usado imagens de satélite para comparar a cobertura vegetal de cada fazenda entre um ano e o outro, e assim conferir se as reservas legais e áreas de preservação permanente estão ou não sendo resguardadas, e se os projetos são executados de acordo com as licenças.
Esse rigor desagradou muitos fazendeiros de Mato Grosso, para quem as suas preces foram ouvidas quando Maggi se lançou ao governo, em meados do ano passado. Finalmente alguém que falava a sua língua assumiria as rédeas do Estado. E Maggi falou. “Vou carregar a Fema debaixo do braço”, foi uma de suas frases. Para muitos fazendeiros, queria dizer que não seriam mais importunados pelas leis ambientais.
O governador garante que quis dizer o contrário. “Já avisei aos meus amigos: não vou carregar macaco de ninguém”, disse Maggi ao Estado. Ele conta ter enviado uma carta a todos os produtores, advertindo o seguinte: “Como governador com origem no agronegócio, tenho responsabilidade ainda maior em mostrar respeito pelo meio ambiente.”
Maggi prefere nem entrar em discussões sobre mudança na legislação ambiental, considerada extravagante por muitos produtores rurais. “Não precisa mudar a lei”, responde ele, depois de uma breve pausa. “Precisa deixar trabalhar.”
O governador faz a seguinte conta: Mato Grosso tem 906 mil quilômetros quadrados. Com uma ocupação eficiente de 40% desse território, é possível produzir até 100 milhões de toneladas de grãos por ano. Maggi gostaria de entregar o governo com essa marca. A safra deste ano ficará na casa dos 125 milhões. No Brasil. Em Mato Grosso, são 20 milhões. Portanto, o governador está falando em quase dobrar a produção do País, a partir de seu Estado. Cumprindo as leis ambientais.
Do ponto de vista ambiental, a questão é: a soja entrará no lugar de quê? Os produtores, incluindo o governador, respondem que no lugar das pastagens, com ganhos para o meio ambiente. Pastos de solo degradado são recuperados e substituídos pela lavoura. Os pecuaristas desmatam até a beira d’água, para o gado ir beber, causando erosão e assoreamento, e violando a lei. Os agricultores, dizem eles, tendem a preservar as matas ciliares. Os ambientalistas temem, no entanto, pelo impacto do uso intensivo de agrotóxicos.
Na região do Vale do Araguaia, a leste do Parque Nacional do Xingu, onde fica a nova fronteira agrícola de Mato Grosso, os compradores de terras – entre eles o Grupo Maggi – têm de fato dado preferência a fazendas com vastas áreas já desmatadas. Por razões econômicas e ambientais: sai mais barato converter pastagem em lavoura do que derrubar floresta; e se o desmate tiver sido feito até dezembro de 1998, antes de entrar em vigor a atual lei que estipula 80% de reserva legal na região de floresta e 35% na de cerrado, o fazendeiro pode, a título de compensação, comprar áreas sob disputa fundiária e cedê-las para parques estaduais. E assim ficar quites com as autoridades. O próprio Grupo Maggi comprou, no ano passado, 14 mil hectares no Parque Estadual do Araguaia, como parte de um “termo de ajustamento de conduta”.
A corrida por fazendas com áreas previamente desmatadas no Vale do Araguaia praticamente esgotou o estoque disponível. Em Querência, município de 1,7 milhão de hectares, há apenas três fazendas à venda. Uma de 20 mil e outra de 27 mil hectares, ambas com cerca de 40% desmatados para pastos; e outra de 4.500 hectares, de mata fechada.
Em qualquer caso, muitos fazendeiros preferem arriscar, comprando áreas de mata fechada – significativamente mais baratas -, na esperança de poder exceder, impunemente, o limite de 20% para o desmate em região de floresta. Até porque, segundo especialistas, esse limite, no caso da soja, inviabiliza o negócio.
O governador faz outra conta: a Amazônia legal representa 61% do território do País. Desses, 12,3% foram desmatados, segundo o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe). Dessa fatia, 1,48% é empregado na agricultura de todos os tipos. E 0,92%, na soja. “Portanto, é uma inverdade que a soja esteja fazendo pressão sobre o desmatamento”, conclui ele.
Em julho, três técnicos do Instituto Socioambiental (ISA) e três chefes de postos de vigilância indígena realizaram uma expedição na margem do Parque Nacional do Xingu para mapear o avanço da soja em sua direção. “Percorremos centenas de quilômetros e vimos extensas áreas de desmatamento, que eram mata fechada três anos atrás, quando realizamos outra expedição na região”, testemunha a bióloga Roseli Sanches, do ISA.
“A preocupação do ISA é real”, admite Rodrigo Justus de Brito, diretor de Recursos Florestais da Fema-MT. Segundo ele, o órgão está, neste momento, comprando as imagens de satélite para abastecer o sistema de monitoramento. Como o exame das 56 cenas que cobrem o Estado é demorado, serão priorizadas as imagens do Médio Norte, pólo da soja do cerrado, e do Vale do Araguaia, por onde avança a fronteira agrícola.
Calcula-se que a área em torno do Parque Nacional do Xingu tenha um estoque potencial de 20 milhões de hectares para a soja. “Estamos assistindo ao início do avanço da soja na Floresta Amazônica”, observa Frederico Müller, secretário do Meio Ambiente na gestão de Dante de Oliveira. “Até aqui, a soja se restringia ao cerrado. Em 20 anos, ela acabou com ele.”