Justiça obriga empresas a sustentar família que teve de abandonar a área.
SANTO ANTONIO DE POSSE – Na região em torno do Aterro Mantovani existem quatro sítios, nos quais vivem hoje 26 pessoas. O que chama a atenção de quem visita esses sítios, além do indescritível cheiro que exala do aterro, é o número de queixas de doenças. Algumas são recorrentes, como dores nas pernas e de cabeça e problemas de circulação. A advogada Katy Corban, do Instituto Brasileiro de Direito Ambiental, fez levantamento dos atestados de óbito na área nos últimos 30 anos, que é o tempo de existência do aterro, e constatou também seis mortes de câncer.
Por recomendação médica, Hélio Staiger, de 52 anos, teve de se mudar do sítio em que vivia ao lado do aterro, depois de diagnosticar mieloma (câncer nos ossos) múltiplo, e fazer transfusão de medula, em 2005. A Justiça ordenou que 48 empresas que enviaram resíduos para o aterro e são alvo de ação civil dos moradores dos sítios em torno pagassem o aluguel e o sustento da família Staiger em Jaguariúna.
Os extratos bancários mensais da família registram os depósitos: “Petrobrás – R$ 15,50; Daimler Chrisler – R$ 16,00; Basf – R$ 16,00; Alpargatas – R$ 16,00; Embraer – R$ 16,00; Manguinhos – R$ 35,71”, e assim por diante. Inicialmente, foi estipulado que as empresas pagassem um total de R$ 1.150 por mês. Depois, o valor foi baixado para R$ 700. Mas, nos últimos meses, os depósitos não têm chegado a R$ 500. A família tem passado necessidade em Jaguariúna.
“As empresas não estão indenizando o senhor Staiger, apenas ajudam por razões humanitárias”, diz Claudio Guedes, do comitê das empresas. “Não está provado nexo causal entre seu estado de saúde e o aterro.” Um perito judicial orçou em R$ 985 mil o serviço para determinar se o aterro prejudica ou não a saúde dos moradores. A advogada das famílias, Maria Cristina Esposito, conta que propôs às empresas um acordo de indenização abaixo desse valor, mas elas não aceitaram.
Sebastião Cetin, de 41 anos, que mora no Sítio Dois Irmãos, lembra que brincava no aterro quando moleque. “Eu corria em cima das borras para ver até onde ia afundar. Achava bonito, né?” Sebastião é estéril. “Talvez possa ser por isso. Mas quem sabe?”, pergunta-se. “Precisa fazer exame de saúde em todo mundo.” Sua mulher, Marlene, de 32 anos, sente queimação no estômago o dia todo.
O irmão Osmar Cetin, de 30 anos, e sua mulher, Maria do Socorro, 34, também sentem dores no estômago. Aparecida, de 69 anos, mãe de Sebastião e Osmar, e cujo marido morreu de câncer no pulmão em 1998, conta que não tinha tido problemas de gravidez antes de se mudar para o sítio, há 41 anos. Depois, sofreu dois abortos. As seis crianças do sítio têm ou tiveram bronquite alérgica e anemia.
No Sítio São José, as dúvidas e queixas da família Oliveira Campos são parecidas. Célia, de 42 anos, tem dor de cabeça, na perna direita e no estômago. Lúcia, de 39, toma remédio para má circulação, também tem dor na perna e já amanhece com dor de cabeça. “A idéia nossa era sair daqui o quanto mais logo”, diz José Augusto, marido de Célia. “Mas vamos para onde? Comprar nossa terra eles não compram, nem compram terra para nós.”
Embora em apenas um dos sítios os exames da Cetesb tenham acusado contaminação na água, todos os poços artesianos foram lacrados em 2003, e as empresas passaram a pagar pelo fornecimento de água mineral para beber e água potável para tomar banho, lavar roupa, etc. Isso só deixa os moradores mais desconfiados: se a Cetesb diz que a água está boa, por que interditou os poços?, perguntam todos eles. “Foi uma medida de precaução, para deixá-los mais tranqüilos”, explica Lúcio Flávio Lima, gerente da Cetesb em Campinas.
Há cerca de um mês, a prefeitura de Santo Antonio de Posse comprometeu-se a instalar, dentro de 60 dias, um posto de saúde, com clínico geral, enfermeiro, auxiliar de enfermagem e quatro ou cinco agentes comunitários para atender essas famílias. Uma casa foi alugada para abrigar o posto, enquanto a sede definitiva é construída.
Pacientes que exijam atenção de especialistas serão encaminhados a um hospital em Pedreira, de um consórcio de municípios da região. Os casos mais complexos, como câncer, continuarão sendo tratados no hospital da Unicamp. “A coisa está bem encaminhada lá”, atesta Daniela Buosi, gerente do Vigisolo.