Os mitos do transporte público precisam ser substituídos por mudanças qualitativas.
Como em toda campanha para a Prefeitura, mais uma vez este ano se concordará vagamente sobre a necessidade de “investir no transporte público”. O Metrô costuma ser visto como a panacéia.
Em entrevista há um ano, portanto a salvo do calor eleitoral, o secretário municipal de Transportes, Carlos de Souza Toledo, explicava que São Paulo jamais terá um mapa de metrô como os de Nova York, Londres ou Paris.
Essas redes começaram a ser construídas no inicio do século. Hoje, ficariam caras demais, impagáveis. Teremos mais estações, eventualmente mais linhas, mas estamos condenados a situações ridículas como não poder ir de metrô do terminal da Barra Funda para o do Tietê sem ir parar na Sé, ou de, estando nas Clínicas, ter de voltar ao Paraíso para ir para o Centro.
Os ônibus já estao se enfileirando nas grandes avenidas. Simplesmente aumentar sua quantidade, em muitos casos, não só não ajuda como pode atrapalhar. São Paulo cresceu neste século sem que seus administradores dessem a mínima para transporte público. Não consegue também ser a cidade do automóvel, porque a maioria da população nao pode comprar um e porque mesmo os que já existem não cabem nas ruas. Rodízios de automóveis devem se impor no futuro próximo, poluição ou não-poluição. Caminhamos para o colapso dentro de poucos anos, previu placidamente o secretário municipal.
Dificilmente algum candidato gostará de assumir essas realidades na campanha Continuarão falando de metrô e ônibus em termos quantitativos, que mais tarde se revelarão sem sentido. Algumas iniciativas que precisariam ser tomadas, exemplos que deveriam ser seguidos, provavelmente não servem à grande retórica eleitoral.
Na maior parte do dia os ônibus circulam ociosos em São Paulo. Seu uso precisa ser estimulado. As grandes cidades européias adotaram cartões diários, semanais, mensais e anuais que valem ao mesmo tempo para ônibus, metrô e trem. Com um cartas desses, qualquer um pensa várias vezes antes de pegar o carro. O cartão anual pode ser obtido em parceria com o empregador. É um incentivo poderoso à adesão ao transporte público, conferindo-lhe regularidade de uso e de investimento.
Os ônibus daqui são novos e até limpos, mas isso não é suficiente para tornar a viagem agradável. Os motoristas dirigem como se estivessem sozinhos num fusca. Na falta do câmbio automático, as passagens de marcha são bruscas demais. A suspensão é dura e o motor é barulhento e poluidor. Andar nesses ônibus é cansativo, desconfortável e nada seguro. É cômico a Prefeitura pensar em catracas eletrônicas, como se os ônibus daqui tivessem atingido a excelência tecnológica e só faltasse esse “retoque”. É justo o contrário em qualquer outra cidade. Primeiro se tem um ônibus em que se possa andar dignamente.
Fora dos ônibus, também há o que fazer. Iniciativas como o número 0800 123 133, um bom serviço que informa rotas de ônibus, precisam deixar de ser exceção. Ninguém é obrigado a adivinhar ou a encontrar alguém bem informado. Os pontos têm de ter mapas das linhas (à prova de depredação) e pelo menos uma estimativa de a cada quantos minutos passa o ônibus. Despesas e compromissos chatos de assumir.
Além disso, a presença física das pessoas ainda é exigida demais no Brasil. O mundo se acostuma a realizar pagamentos via modem e este país ainda não descobriu o correio para esse fim. A informatização dos bancos brasileiros é uma das mais avançadas. Não dá para entender por que o cidadão tem de ir junto com o cheque e o recibo para o banco ou a empresa recebedora.
As filas múltiplas em frente das escolas são constrangedoras. O que foi feito do velho e bom ônibus escolar? Trânsito é coisa sagrada em qualquer lugar que se queira produtivo. São Paulo não precisa de desfiles militares e manifestações em avenidas importantes em dias de semana. Obras, só as indispensáveis e de preferência fora do pico. Caminhão e cidade grande não combinam, sobretudo com essas carrocerias absurdamente precárias, sempre prontas a derramar o que têm dentro e parar o trânsito de vez.
Basta morar na cidade para observar essas coisas.