Lobby virou palavrão no Brasil, mas precisamos dele, ainda que com outro nome.
As palavras percorrem às vezes estranhos caminhos. Um dos casos mais curiosos no Brasil é handicap. Em inglês, quer dizer, em princípio, deficiência. Em certos esportes, no entanto, handicap é a vantagem, prevista pela regra, que o competidor mais fraco recebe para se igualar ao mais forte.
Deve ter sido pelas raias do turfe que a palavra handicap entrou no vocabulário genérico deste país com o sentido de vantagem, quando em lugares de língua inglesa significa justamente o contrário.
Igualmente interessante é a viagem da palavra lobby. Começou como o nome do salão de entrada de grandes edifícios. No Parlamento britânico, é a sala onde o deputado recebe alguém para conversar. Daí que o verbo “to lobby” passou a significar tentar convencer políticos e outras pessoas.
Em Washington e noutras capitais da democracia, escritório de lobby é lugar freqüentável, ambiente de família. Lá se encontram profissionais, em geral advogados, especializados em legislação do próprio país ou de outros, que mediante honorários prestam assistência a empresários ou grupos com os mais diversos interesses na iniciativa de influenciar parlamentares, governos e quem quer que tenha poder de decisão.
O raciocínio que levou à incorporação do lobby no cotidiano da democracia é parecido com o que legitimou o salto da primitiva intervenção direta dos cidadãos para a delegação de poderes a representantes eleitos periodicamente. Assim como os cidadãos comuns – e os mais diversos tipos de organização – precisam cuidar da vida e não têm tempo de estudar e votar leis, também não estão familiarizados com os procedimentos do Legislativo e precisam de ajuda qualificada para ter seus interesses defendidos.
No Brasil, lobby é palavrão. A cultura não é da palavra, mas de quem se apropriou dela por aqui. Nos últimos dias mesmo surgiram denúncias de escritórios que estariam intermediando a concessão de verbas para municípios e embolsando 30% do butim. Com coisas assim sendo apelidadas de lobby, não admira que o termo se torne torne símbolo do que não presta. Não presta onde? Na democracia. Na ditadura já havia propinas e barganhas, mas é na democracia que o jogo se abre, até por virtudes do regime, como a liberdade de imprensa. A transparência de hoje dá a impressão de que menos gente fazia safadezas antes. Handicap dos velhos tempos.
Então parece que o prejuízo de quem faz essa versão brasileira de lobby, do congressista que a aceita e do administrador que recorre a ela vai muito além dos 30% de dinheiro público desviados. A idéia de democracia também se desvia.
A palavra lobby pode estar irremediavelmente perdida no Brasil, mas não importa, é apenas uma palavra. Mas algo de substância parece estar em jogo. Nesses poucos anos de redemocratização brasileira, muita gente tem se comportado muito mal. Aumentos incríveis de salários dos parlamentares, gratificaçao exorbitante na convocação extraordinária, ma nutenção de detestáveis privilégios para congressistas e funcionários públicos que os cercam não contribuem para aumentar a estima da população pelo regime que se está implantando.
Quando não estão ocupados em votações em proveito próprio, deputados e senadores vão decidindo o destino do País, remendando aqui e ali as reformas da ordem econômica até torná-las virtualmente inócuas ou virando do avesso projetos como o que levava para a Justiça comum crimes cometidos por militares. Tecnicalidades garantem que nada mude.
Votar periodicamente é condição necessária, mas está longe de ser suficiente para a democracia. Feliz ou infelizmente, a sociedade tem de se manter organizada para acompanhar e interferir no cotidiano do Legislativo. Para fazer isso, é precioso estar associado a gente que conheça os trâmites e tenha trânsito e que noutros lugares se chama lobista. O nome dado pode ser outro. Rejeitá-lo, no entanto, é continuar assistindo impotente enquanto outros fazem o serviço, ou por terem mais dinheiro ou por serem mais espertos. Mas que a pressão faz parte da democracia e não existe regime melhor, não dá para discutir.