Para muitos negros, igrejas evangélicas representam chance de ascensão social
Haviam-se passado 50 dias desde a ressurreição de Cristo. Os 12 apóstolos estavam reunidos. De repente, ouviram um estrondo no céu e sentiram um vento forte invadir a casa. Línguas de fogo pousaram sobre eles. Começaram a falar diferentes línguas maternas, e todos em redor entendiam, como se fosse um só idioma.
Sentindo-se tomados pelo Espírito Santo, os apóstolos saíram caminhando por Jerusalém, e começaram a operar milagres. À porta de um templo, Pedro e João ordenaram que um aleijado que pedia esmola os fitasse nos olhos: “Em nome de Jesus Cristo o Nazareno, levanta-te e anda.” E o homem entrou com eles no templo, caminhando, saltando e louvando a Deus.
Mais adiante, Estevão, um dos sete discípulos escolhidos para pregar a palavra de Deus, cuja audiência não podia resistir diante da sabedoria e espírito com que falava, foi acusado falsamente de blasfêmia e teve de comparecer diante de um júri. Fixando os olhos nele, no entanto, todos os que deveriam julgá-lo viram em seu rosto a face de um anjo. Perante tantos prodígios e sinais, o povo se foi convertendo em massa: 3 mil num dia, 5 mil noutro…
Essas passagens dos Atos dos Apóstolos, dramáticas até mesmo para os padrões da Bíblia, são a origem de um movimento tectônico que vem abalando a identidade religiosa dos brasileiros: as igrejas pentecostais. Inspirados nessa experiência arrebatadora, que parece ter conferido a homens comuns os poderes sobrenaturais do recém-crucificado filho de Deus, os pentecostais recriam em seus templos o ambiente de transe descrito no capítulo 2 dos Atos, e colhem com ele os mesmos frutos: uma onda crescente de adeptos.
Mas, afinal, o que torna o seu apelo tão irresistível? Há dois tipos de religião: a que se baseia na palavra, na persuasão lógica, e a que conquista pela empatia, pelo simbolismo ritual. O protestantismo representa a primeira; o catolicismo, a última. Os pentecostais, com seu apego literal à Bíblia e sua intensa dramaturgia, reúnem o que cada uma tem de mais sedutor.
FAST FOOD
“Não sei se eles se tornaram neocatólicos ou pós-cristãos, para tentar adequar-se à espiritualidade do homem pós-moderno, totalmente materialista e tangível”, critica o pastor Levi Correa de Araújo, da Igreja Batista de São Bernardo do Campo. “É uma religiosidade fast food.”
Um dos traços que mais chamam a atenção na expansão dos pentecostais é a atração que exercem sobre negros e pardos. O sociólogo Antônio Flávio Pierucci observa que, em 2000, 1.650.680 negros se declararam evangélicos, enquanto 95.321 se disseram adeptos das religiões afrobrasileiras. Para Pierucci, as religiões evangélicas (aqui incluídos pentecostais e protestantes tradicionais) representam para os negros chance de ascensão social, podendo tornar-se pastores, caprichando nas roupas e na higiene, e associando-se à imagem dos negros americanos vistos nos filmes, que são médicos, advogados, etc.
Nos seus transes, os pentecostais têm reproduzido práticas da umbanda e do candomblé. Daí provém, por sinal, o bispo Edir Macedo, líder da Igreja Universal do Reino de Deus, um ex-umbandista. O Estado tentou ouvir a Igreja, sem sucesso.
Inicialmente, aponta o especialista Ricardo Mariano, da PUC do Rio Grande do Sul, nas sessões de exorcismo, eles davam aos “demônios” os nomes de entidades das religiões afrobrasileiras, como Exu e Pomba-Gira, que não são vistas por elas como más. Perceberam o erro e passaram a chamá-las simplesmente de “encostos”, que também são exorcizados pelas religiões afrobrasileiras. “Eles têm se especializado na oferta de serviços mágicos religiosos destinados à solução de problemas cotidianos”, define Mariano. Daí seu sucesso.
