O secretário Saulo de Castro Abreu Filho argumenta que a lei não permite o isolamento dos líderes do PCC por tempo suficiente
Pelo menos sete em cada dez criminosos que participaram da ofensiva da última semana do Primeiro Comando da Capital têm ligação com o narcotráfico. A conclusão é resultado de cruzamento de informações feito pela Secretaria de Segurança Pública, sobre os 111 criminosos mortos, 9 feridos e 124 presos, segundo os números atualizados até a manhã de ontem.
Em entrevista exclusiva ao Estado, o secretário Saulo de Castro Abreu Filho argumenta que o comando do PCC – que faz a intermediação entre os grandes traficantes de drogas e os varejistas – está todo na cadeia. Como a legislação impede o isolamento desses líderes por um tempo suficiente para que eles deixem de ser líderes, criou-se essa situação em que criminosos presos, chefiando uma organização financiada pelo narcotráfico, organizam uma ofensiva contra o Estado.
Numa conversa de três horas e meia em sua casa, no Alto de Pinheiros, Saulo negou que tivesse mandado recolher os laudos do Instituto Médico Legal (IML) sobre os mortos no confronto, e afirmou que seus corpos estão sendo entregues às famílias e suas identidades, reveladas, à medida em que se concluem as investigações.
Apesar da tensão e do cansaço, Saulo, de 44 anos, que diz ter virado as noites na última semana, demonstrou bom humor. Quando um canário numa gaiola do jardim começou a cantar mais alto de trás das grades, ele brincou: “Está mandando um ‘salve’ (mensagem do PCC) para mim. Vou chamar o choque. ‘Tá dominado’.”
O que vocês já sabem sobre o perfil das pessoas que participaram desses ataques do PCC?
A Coordenadoria de Análise e Planejamento da Secretaria cruzou os dados das ações, os boletins de ocorrência, as estatísticas, onde houve mais indultos, todo tipo de bancos de dados, e analisou de onde esse pessoal veio, qual o perfil, onde a coisa pegou mais. Já estamos conseguindo identificar que, de cada dez, entre presos e mortos nesses ataques, pelo menos sete tinham alguma ligação com o tráfico de entorpecentes. O que tem lógica. Já eram os aviõezinhos, ou seja, já eram os soldadinhos do tráfico – aquele cara que passa o crack, a coca. Esse pessoal é mobilizado rapidamente. Eles já estão na folha de pagamento, já estão a serviço.
Do PCC?
Do PCC, do “PCJ”, entendeu? Algumas coisas foram feitas por poucos. Basicamente as mortes. Foram poucos que agiram, mas rapidamente. Motoqueiro, etc. Tudo covarde. Já sabiam quem era policial e quem não era. Apagaram. A ordem era: “Mata todo mundo. É para matar. Não importa quem seja. Esquece civil. Só militar.” Porque causa mais impressão. A imprensa vai lá, fotografa o quepe, (cria-se) a sensação de impotência. Porque a população visualiza a Polícia Militar.
Para ser traficante, é preciso estar em acordo com o PCC?
Depende de onde vem a droga. Sozinho, é muito difícil ir até a Colômbia. Maconha vem de Mato Grosso do Sul e do Paraguai.
De dentro do presídio, como controlam essa atividade econômica?
Eles obrigam a pagar comissão. Eu arrumo a droga, te financio, chega à tua mão. Porque não é um molequinho da favela que vai ter contato com as Farc (Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia) para comprar cocaína. Tem todo um cartel, negociação num outro nível, lavagem de dinheiro. Aí vai chegar na pontinha, no “representante da Avon”. Os traficantes têm, sobretudo, mão-de-obra barata. Esses cem que morreram já estão substituídos hoje.
E a cúpula está presa?
Quem tem o poder de comando sobre as pessoas e faz a ponte entre o grande traficante e o micro, a distribuição, está preso – 90% está na cadeia.
Daí a relação entre o tráfico e a ofensiva do PCC nos últimos dias?
É, e o poderio dele. Porque ele sustenta a família (dos presos)com o dinheiro do tráfico, do bandido. Eu assumi (em 2002) com 90 e poucos mil presos. Hoje, estamos com 142 mil. E o controle dentro da prisão… Não quero jogar a culpa. É uma coisa para você conversar com o Nagashi (Furukawa, secretário de Administração Penitenciária). Prendemos. Isolamos. Aí vem a lei burra. Sempre defendi: o líder deve ficar isolado até acabar a liderança dele. Se demorar cem anos, são cem anos. Como na Itália. Dentro da cadeia, ele continua com o domínio. Criamos a prisão de segurança máxima (em Presidente Bernardes), para 160 presos, que ficam totalmente isolados. Não é para recuperar ninguém. É para colocar o cara que manda matar aqui fora, que manda fazer o tráfico, e desidratar a liderança dele. Aí veio a lei: o Regime Disciplinar Diferenciado só pode durar um ano. Por que um ano? O líder manda recados através de advogados e de visitas. Mas se não houvesse a expectativa do retorno, ele perderia a liderança. Ele vai ser sucedido, mas vai-se desidratando. Não pode ter prazo.
O senhor mandou recolher no IML os laudos das 111 mortes em confronto com a polícia?
Não recolhi nada. Quando uma pessoa é assassinada, a família perde o direito ao cadáver. O Estado retira. Abre, faz necropsia. Tem que ver a trajetória da bala, etc. As famílias estão retirando mais da metade dos corpos. Mas às vezes a gente não sabe quem é a família. Há um movimento normal no IML, numa cidade de 18 milhões de habitantes. Dizem que estamos escondendo. Não é verdade. Não podemos divulgar nomes antes de termos absoluta certeza da identidade. Muitos não têm documentos. Existem pessoas de má-fé, que podem forjar uma situação e nos acusar de termos falsificado a identidade de um cadáver. Num primeiro momento, não divulgamos mesmo, porque não queríamos passar informações para os criminosos. Trabalhamos com contra-inteligência, com a desorientação deles. Não podíamos informar a eles quem estava caindo, quem tinha morrido, o que estava acontecendo. Mas, a partir de agora, na medida em que formos identificando, e concluindo os laudos, eles vão para o fórum. É informação pública. Cadáver não se esconde.
Há muitos mortos com tiro na cabeça?
Não sei, pode ser que haja. Mas isso não quer dizer que foi execução, como se costuma acreditar. Muitas vezes, a pessoa se encolhe no momento do tiro. É preciso ver a trajetória da bala, os órgãos internamente atingidos. Ela entrou ou saiu pela cabeça? Depois, é preciso ver se essa análise bate com as outras informações, sobre como aconteceu. Bate tudo, e fecha. Não tem erro. Tudo vai ser esclarecido.
O governador Cláudio Lembo admitiu agora há pouco ao ‘Estado’ que pode haver inocentes entre esses mortos.
Existe a hipótese. Não descartamos. Para cada caso, é instaurado inquérito. Se for comprovado algum abuso, serão aplicadas as sanções cabíveis. Não haverá complacência.
Desses 111 – que aliás é o número de mortos no massacre do Carandiru…
É um horror. Até nisso somos ruins de marketing…
…quantos são efetivamente do PCC?
Um pouco menos da metade está identificada. Agora, precisamos ver se é pau-mandado, e quem foi o mandante, os comparsas. Os ônibus, por exemplo, foram queimados por mercenários pagos por grupos de perueiros, que lavam dinheiro e têm ligações com vereadores. Tudo isso precisa ser esclarecido.
Em quanto tempo sai o resultado? Um mês?
É o prazo do inquérito. Mas lá para terça ou quarta-feira haverá muito mais informação. Estamos tentando agilizar, por causa da sensação da população. É um trauma. Quanto tempo levará para as pessoas esquecerem? São Paulo é uma metrópole. As coisas se revigoram rapidamente. As pessoas vão ver a polícia na rua, a situação sob controle. Tivemos um episódio esporádico, absolutamente inusitado, de quem precisa mostrar força. Houve queda do crime, bandido na cadeia, PCC, todo mundo algemado. Eles disseram: “Tem que virar esse troço, velho. Se não, daqui a pouco, o cara lá embaixo não vai mais nos obedecer.”
Em 2002, a polícia disse que o PCC estava desdentado. Eram dentes de leite? O PCC cresceu de lá para cá.
Não cresceu. Sufocamos um sistema. Nossa equação é: a impunidade estimula o crime. O que faço na minha secretaria é colocar na prisão. Investimos na informação. Fizemos o mapa do crime e colocamos todo o comando na cadeia. São Paulo parou por causa de boatos, notícias falsas de bombas no metrô, de ataques a estudantes.
A informação de que haveria o ataque não chegou aos policiais? Por que eles estavam desavisados?
Não estavam desavisados. Mandamos o Relatório de Assuntos Correntes (RAC) para os comandantes, dizendo que poderia haver uma reação (à transferência de líderes do PCC). Os comandantes avisaram seus subordinados. A polícia foi colocada sob alerta. Por mais que você avise, as pessoas não acreditam. Acham-se imbatíveis, que não vai acontecer nada. Alguns policiais não seguiram os procedimentos. É evidente também que ataque pelas costas não tem como evitar.
O que mudará depois disso?
Continuaremos no mesmo passo. Política de segurança pública não se muda. Se você for viver de susto, de espasmo, fica que nem a legislação, essa porcaria que está aí. De novo, vão legislar errado. Aqui, temos um princípio: acabar com a impunidade. É por isso que temos vencido a guerra, dentro dos limites.