Menos poluído, mas nada de peixe

Capital aumentou tratamento, mas 38% do esgoto produzido na Grande SP ainda é lançado in natura no Tietê

 

Enquanto se acomodam em sua calha, as águas do Rio Tietê vão ficando um pouco menos imundas. O programa de despoluição do rio já está na sua segunda etapa. A primeira, entre 1996 e 2001, consumiu US$ 1 bilhão, com a construção de cinco estações de tratamento de esgoto (ETEs), rede de coleta e interceptores – dois tubos de 24,5 quilômetros, de cada lado do Tietê, que levam o esgoto para a ETE de Barueri e impedem a passagem de novas galerias clandestinas rumo ao rio.

Até 1995, 22% do esgoto coletado na cidade de São Paulo era tratado. Essa fatia subiu para 68%. Na segunda etapa, que vai até 2007, outros US$ 400 milhões estão sendo aplicados em 150 mil ligações de esgoto e na ampliação da ETE de Barueri, uma das maiores do mundo, com capacidade de vazão de 12 metros cúbicos por segundo.

O Tietê vai ficar menos poluído, mas não vai virar um Tâmisa ou um Sena, os rios de Londres e de Paris que perderam o mau cheiro e voltaram a ter peixes. Pelo menos não enquanto 38% do esgoto da Grande São Paulo continuar desaguando in natura no rio. Ele é produzido por 7,2 milhões de pessoas – mais do que a população do Rio, a segunda maior cidade do País, com 6 milhões de habitantes.

O esgoto não é tratado nas cidades que circundam São Paulo, mas lançado em rios e córregos que deságuam no Tietê. É o caso do Rio Cabuçu de Cima, que traz os dejetos do 1,2 milhão de habitantes de Guarulhos. De Diadema, uma parte vai direto para a Represa Billings, a outra vem pelo Rio Tamanduateí, juntamente com o esgoto de Santo André e de São Bernardo do Campo. População das três: 1,85 milhão.

A vocação do Rio Tietê é parecida com a da avenida que o margeia: por ele passa um esgoto que não pertence a São Paulo; por ela, uma carga cuja origem e destino não são a cidade.

Na tarde de 26 de dezembro, quando a reportagem do Estado percorreu, de lancha, os 24,5 quilômetros da obra do Tietê com o secretário de Energia, Recursos Hídricos e Saneamento, Mauro Arce, a água vinda das galerias ‘pluviais’ formava cachoeiras sobre o Tietê. Não tinha chovido naquele dia: era puro esgoto clandestino. ‘Dá vontade de tapar e ver onde sobe’, brincou o engenheiro Arce: o secretário Arce não cogitaria algo tão politicamente incorreto.

Foi o que os franceses fizeram no Sena. Construíram piscinões e taparam as galerias que despejavam esgoto no rio. ‘Aqui, não há nem espaço para isso’, garantiu Arce. Diante do Sena e do Tâmisa, o Tietê fica em desvantagem, também, pelo volume de água. O Sena tem uma profundidade média de 29 metros. O Tâmisa, de 23 metros. Com o aprofundamento da calha, em época de seca, o Tietê, nesse trecho, ficou com uma profundidade de 4 metros.

A luta é inglória: sua vazão na seca é de 10 m³/s, enquanto a do esgoto lançado nele é de 50 m³/s. Se São Paulo, que produz 60 m³/s de esgoto, ficasse na divisa com o Paraná, onde o Tietê é um rio muito mais encorpado, seria diferente.

E há o lixo. Muitos moradores da Grande São Paulo ainda encaram os córregos e rios como esteiras de lixo. Doze toneladas de pneus, garrafas, embalagens, pedaços de móveis caem no Tietê todos os dias. No meio do percurso de 1h30, a lancha teve de parar e reverter a hélice, para se livrar da sujeira.

Durante a obra, foram retirados 150 mil pneus do rio. Parte foi misturada ao concreto das defensas, para lhes dar mais flexibilidade. Chamadas de new jersey, as defensas ricocheteiam menos que os guardrails, devolvendo o carro para a pista da esquerda, além de não terem pedaços roubados, como seus antecessores de ferro.

Mas isso não quer dizer que nada esteja melhorando. Antes, diz Mauro Arce, a poluição do rio chegava até Barra Bonita, a 250 quilômetros de São Paulo. Agora, em Salto, a menos de 100 quilômetros, o Tietê já tem peixe. Para isso, a condição é conter no mínimo 6 miligramas de oxigênio por litro de água. Um rio normal tem 8 mg/l. O Tietê, na região metropolitana, tem zero. Arce prevê que o Pinheiros se despoluirá mais depressa, porque só recebe esgoto da Sabesp, cujo tratamento vem crescendo.

 

O Almirante do Lago, barco de dois andares que agora pode navegar pelo trecho do Tietê com a calha rebaixada e no qual o grupo Teatro da Vertigem tem encenado peças, já levou 3 mil crianças de escolas para um passeio de 1 hora de duração, com palestras de educação ambiental. ‘Precisamos conscientizar a população de que ela não deve sujar o rio’, diz o secretário Arce. O Tietê é uma aposta no futuro.

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