Brasileiro que trabalhava no WTC lembra o pânico que tomou conta daquela bela manhã de setembro
Naquela manhã de terça-feira, Larri Pinto de Faria Júnior acordou bem cedo, como sempre, e tomou o café da manhã sozinho. Sua mulher, Valéria, tinha ido para Porto Alegre, onde comemorara seu aniversário na véspera, 10 de setembro. Como ainda era fim de verão – época em que ele e os colegas se vestem informalmente -, Larri vestiu uma camisa pólo e saiu de casa às 7h, como de costume. “Fazia um dia maravilhoso, de sol.”
Larri mora num prédio na Cidade de Jersey que dava bem de frente para o World Trade Center (WTC), do outro lado do Rio Hudson. Como de hábito, pegou o trem que passava por baixo do Hudson e o deixava no subterrâneo do WTC, onde trabalhava, apenas uma estação adiante. Larri começa cedo o dia porque, como corretor de papéis interbancários cotados em dólares no futuro, tem de acompanhar a atividade do mercado financeiro no Brasil, que está uma hora na frente no verão e duas no inverno.
Por volta de 7h15, ele subiu o elevador até o 25º andar, ocupado pela Garban Intercapital, hoje Icap. Até um ano e meio antes, Larri subia até o 84º da outra torre, em que ficava a Eurobrokers, a empresa que o trouxe em 1999 a Nova York, vindo de Santa Rosa, Rio Grande do Sul, onde era diretor de uma empresa exportadora de soja. Larri começou a trabalhar à mesa, junto com outros dois operadores brasileiros. O quarto, um dominicano, não estava nesse dia.
Às 8h45, Larri já havia feito vários negócios . Falava ao telefone, com um cliente (em cinco anos, ele nunca mais conseguiu lembrar quem era o cliente, nem do que estavam falando). Foi quando sentiu uma “pancada”. A primeira coisa que lhe veio à cabeça foi uma bomba.
Antes de fazer o curso de economia, Larri estudou engenharia na PUC de Porto Alegre. Não se formou, mas tem uma noção de edificações. “O edifício balançou. Na mesma hora eu raciocinei: estou no 25º andar. O edifício tem 107 andares. Sacudiu dessa maneira. Não pode ser uma coisa pequena. Eu disse para o colega do lado: ‘Vamos embora que essa p… vai cair’. “
Larri se sentava rente à janela. Olhou para fora: pedaços de vidro, de metais e materiais pegando fogo caíam como a neve que ele estava acostumado a ver por aquela janela. “Olhei para trás, peguei minha pasta, me levantei e me mandei.”
Nem todos reagiram assim. Um colega que trabalhava na outra mesa voltou do banheiro e ainda esperou quase meia hora dentro do prédio. Acabou vendo o segundo avião bater na outra torre. Larri, então com 43 anos, não esperou para ver mais nada.
Campeão brasileiro e pan-americano de futebol de salão, filho de ex-centroavante do Internacional e da seleção brasileira, Larri correu para a mesma escada que tinha sido orientado a usar numa simulação de incêndio, dois meses antes. Alguns colegas foram para o lado errado, onde o avião havia batido, na altura do 82º andar, e encontraram as saídas fechadas.
Uma mulher da brigada de incêndio assinalava: “This way” (por aqui), e Larri desceu, sem ver o que se passava lá fora. “Não parei para conversar, para olhar, para nada.”
Enquanto descia, um cliente telefonou, perguntando se ele estava bem. Larri aproveitou para perguntar o que tinha acontecido. “Foi um aviãozinho que bateu lá em cima”, explicou o cliente. “Falei para o pessoal que estava descendo a escada: ‘Não foi terrorismo. Foi um avião.’ O pessoal ficou mais tranqüilo”, recorda Larri.
“Descemos tranqüilamente, sem estresse, sem correria, sem passar um na frente do outro”, descreve ele. Os integrantes da brigada de incêndio pediam que se descesse em fila dupla, deixando o lado esquerdo livre para os bombeiros subirem. Larri desceu com Jackie, uma colega no segundo dia de trabalho após ter dado à luz.
Lá pelo sexto andar, surgiram os bombeiros, vindo no sentido contrário. Estavam molhados, o que intrigou Larri. Depois, soube que,com o incêndio e o impacto dos elevadores que despencaram de lá de cima, depois de terem seus cabos rompidos, a água começou a jorrar dos sprinklers e dos canos.
Quando chegou ao térreo, Larri olhou para o elevador que costumava tomar. Viu um buraco. O elevador tinha sido projetado para o outro lado do saguão. O forro do teto estava destruído, as roletas retorcidas no chão. Saiu pela porta principal, e só então reparou nos sulcos que as unhas grandes de Jackie, aterrorizada, deixaram no seu braço, que ela mantivera agarrado por todo o tempo.
Os policiais orientavam a atravessar a rua protegendo a cabeça, por causa dos detritos que caíam. Larri olhou para o lado e viu que as duas torres estavam pegando fogo. Ele não sabia do segundo avião, que, às 9h07, enquanto eles desciam, chocou-se com a outra torre – na altura do 85º andar, um acima de onde ele trabalhava antes. Por isso, disse para a colega: “Jackie, o avião atravessou a primeira torre e bateu na outra.” Larri ainda tinha em mente o cenário de um acidente, não de um ataque.
Nisso, uma cliente de Valéria, que é personal trainer, conseguiu completar uma chamada para o seu celular, driblando o megacongestionamento de linhas. E lhe falou dos outros aviões: os EUA estavam sob ataque. Larri, que não conseguia ligar de seu celular, pediu a ela que telefonasse para sua mulher e sua mãe no Brasil, e informasse que ele estava bem.
Então, caminhou em direção ao sul, para a marina do World Financial Center, onde se pegam as barcas que cruzam o Hudson. Mas a Guarda Costeira a havia fechado.
Passara-se meia hora desde o início do ataque. Larri voltou caminhando perto da margem do rio. De repente, a torre atingida pelo segundo avião começou a ruir. “Aquela poeira descendo”, revê Larri. “Todo mundo saiu correndo. Eu fiz 100 metros em 9 segundos.”
Larri deu a volta na ilha pelo outro lado. Depois de caminhar duas horas, chegou até o apartamento de seu chefe, o goiano Raul Costa, na Rua 28 com 7ª Avenida, para onde vários colegas tinham convergido. “Conversamos, choramos, nos abraçamos.” Larri teve pela primeira vez aquele sentimento ambíguo que experimentaria quando se encontrasse com sua família e amigos, uma semana depois, em Porto Alegre: um estranho misto de alegria e tristeza. “Tu choras por estar vivo, pelos amigos e colegas que morreram, por tudo o que aconteceu.”
Do telefone fixo de Costa, Larri conseguiu falar com seu pai e sua mãe. Eram 11h30. Ficou por ali durante 40 minutos. Daí seguiu sua longa jornada em direção a sua casa. Ele caminhou até a Rua 42, onde havia outro ferry para Jersey. Depois de tantas caminhadas e filas intermináveis, só chegou em casa às 18h30. Finalmente às 20h, falou com seus filhos, então com 17 e 13 anos. Havia 125 mensagens na secretária eletrônica.
Larri só pregou os olhos às 3h da madrugada. Decidiu que precisava sair dali. No dia seguinte, alugou um carro. Pegou a estrada para Boston. No meio do caminho, fez retorno. Resolveu ir para Atlantic City. Mais adiante, parou de novo: “O que vou fazer em Atlantic City? Não vou jogar em cassino”, pensou. “Aí, fiquei perdido. Voltei, me tranquei em casa, fiquei três dias sem sair e sem olhar o sol.”
Na sexta-feira, Larri pegou o primeiro avião que saiu para o Brasil depois do atentado. Depois do reencontro com a família, veio para São Paulo, montar um escritório de emergência da firma para atender aos clientes brasileiros. Ficou um ano e voltou para Jersey. A Icap funciona agora num prédio construído em Jersey depois do 11 de Setembro. O escritório agora está ainda mais perto de sua casa, do lado de cá do rio. Larri reconhece que o atentado afetou o dia-a-dia, com a adoção de medidas de segurança que incomodam. “Mas continuo achando que aqui é muito seguro, um lugar ideal para trabalhar”, disse ele, em entrevista ao Estado, pelo telefone. “Sou suspeito porque gosto daqui.”