Para passar o tempo, refém francês, com os olhos vendados e incomunicável, repetia nomes dos produtores do vinho Bordeaux
Acorrentado no chão de uma cela escura, com os olhos vendados, incomunicável. Essa é a situação – que pode durar anos – de um refém no Líbano, descrita pelos que foram libertados. Na dependência de fatores sobre os quais não têm nenhum controle, seu destino transforma-se em mera peça de um jogo político internacional, e o refém convive a cada minuto com a possibilidade de ser libertado, morto ou simplesmente removido dentro de uma caixa de metal.
“Eles estão num inferno”, disse em 1986 o médico americano David Jacobsen, ao ser libertado depois de 17 meses de cativeiro, referindo-se aos que continuavam reféns. O professor americano Frank Reed, libertado em maio do ano passado, contou que durante os três anos e meio em que foi refém ficou com os olhos vendados “24 horas por dia”.
O prisioneiro se vê obrigado a enfrentar o embrutecedor isolamento a que é submetido com as táticas mais inusitadas. O francês Jean-Paul Kauffmann, mantido refém também durante três anos e meio, a partir de maio de 1985, repetia para si mesmo os nomes dos 61 produtores relacionados na classificação dos vinhos de Bordeaux de 1855, ano de safra memorável. Com o tempo, Kauffmann, editor da revista L’Amateur de Bordeaux, especializada em vinho, começou a esquecer a lista.
Tentava escrever os nomes em maços de cigarro, que sempre se perdiam quando era transferido de cela. Foi removido 18 vezes, muitas delas num caixão de metal, dentro do qual chegou a passar cerca de 12 horas. “Não saber de cor a famosa classificação era aterrorizante para mim”, explicou Kauffmann depois de libertado, em fevereiro de 1989. “Significava que eu estava perdendo o contato com a civilização, tornando-me um bárbaro.” Kauffmann assistiu à morte em 1986 de outro refém francês, o sociólogo Michel Seurat, de câncer.
A possibilidade de andar, de decidir quando e o que comer parece fantástica aos recém-libertados. O padre americano Lawrence Jenco, detido durante 19 meses no Libano, contou que, depois de ser solto, em julho de 1986, sentia-se “paralisado” diante da variedade de alimentos à sua frente, com a qual custou a se acostumar de novo. Não ver o mundo também é perturbador. Jenco disse que em seu cativeiro, certa vez, um guarda deixou a porta aberta. Ao ver uma árvore, do lado de fora, começou a chorar.