País já tem hotéis para pacientes estrangeiros

Convênios funcionam como propaganda de um sistema de saúde ao qual cubanos comuns não têm acesso

HAVANA – Tudo começou com um convênio com o presidente Hugo Chávez, chamado Operação Milagre, para enviar pacientes venezuelanos para operar cataratas em Cuba. O convênio se expandiu para 21 países latino-americanos, incluindo o Brasil, e para outras doenças. Até dezembro, havia atendido 208 mil pessoas.

Levando ao pé da letra a expressão turismo de saúde, o governo cubano converteu 22 hotéis em toda a ilha em hospitais para estrangeiros, do formidável El Viejo y el Mar, na Marina Hemingway, ao Copacabana – um edifício sem graça que em comum com o do Rio só tem o nome. Nos pacotes mais VIPs, os pacientes são recebidos no aeroporto por funcionários com placas com seus nomes.

Os hotéis oferecem o conforto e a limpeza de um bom hospital privado, com a vantagem de estarem situados em locais agradáveis, em geral à beira-mar. Sobretudo em Havana, centros de referência em diversas especialidades – montados para tratar a elite do regime – compõem um cenário de excelência no atendimento.

Assim, o programa tem a vantagem de manter, no público externo desavisado, a boa imagem do serviço médico na ilha. Ninguém conta aos pacientes estrangeiros que um cubano comum não pode sequer entrar nesses locais, assim como o acesso aos hospitais públicos de verdade – muitos deles sujos, deteriorados, sem equipamentos e medicamentos – é vedado a turistas.

O governo cubano se deu conta de que era possível massificar ainda mais a operação, exportando profissionais, escolas e hospitais inteiros para outros países. Para isso, já tinha know-how desenvolvido nos tempos da Guerra Fria, quando Cuba enviava seus médicos e professores – além de soldados – para zonas de influência soviética. Angola é o caso mais notório. Trinta mil universitários africanos se formaram em Cuba.

Em troca, a antiga URSS abastecia a ilha com tudo do que necessitava. Chávez assumiu um tipo semelhante de clientela com Cuba, fornecendo-lhe 90 mil barris de petróleo por dia. Como pagamento, Fidel mandou mais de 30 mil médicos, dentistas, instrutores de educação física e professores para a Venezuela.

Em Caracas, médicos cubanos informaram em dezembro ao Estado que recebiam do governo venezuelano o salário mínimo – 400 mil bolívares (US$ 186) -, moradia e cesta básica. Eles continuam recebendo em Cuba seus salários de 576 pesos não-conversíveis (US$ 24), que não dão para nada. No fim das contas, ainda são bocas a menos para o governo cubano alimentar. A estadia dura um ano, renovável. Os profissionais cubanos são grande peça de propaganda para Chávez. Todo mundo fica contente.

A Escola Latino-Americana de Ciências Médicas, em Cuba, tem 12 mil alunos estrangeiros e convênios com mais de cem países, incluindo o Brasil. Os cubanos estão assistindo a Venezuela na montagem de uma faculdade de medicina nos mesmos moldes, só que maior.

Com a eleição de Evo Morales, no fim do ano passado, abriu-se o mercado na Bolívia. Oito clínicas com equipamentos e profissionais cubanos foram abertas no país, e 30 mil pacientes já foram atendidos.

Ao lado dos dólares, o regime procura ganhar também em propaganda, apelando para o sentimento de orgulho nacional sob o pretexto da “solidariedade internacional”, um valor caro à Revolução.

O principal telejornal em Cuba mostrou, na semana passada, dois médicos cubanos num barco no Departamento de Beni, na Amazônia boliviana, parando de aldeia em aldeia para tratar os índios. “Com Evo Morales, pela primeira vez, o governo boliviano se preocupa em levar saúde para todos os bolivianos”, entusiasmou-se o repórter da TV estatal cubana.

O método cubano de alfabetização de adultos Yo sí puedo (Eu consigo) foi exportado para a Bolívia – assim como Venezuela, Argentina e outros -, onde está sendo aplicado em aimará, um dos principais idiomas indígenas do país, falado por Evo.

Para Aníbal Melo Infante, um sindicalista que começou como alfabetizador de adultos, “a idéia é ir além dos pronunciamentos e realizar programas práticos que resultem em números – de alfabetizados, de pacientes atendidos, de médicos e assim por diante”. E, por que não, em dólares.

Publicado em O Estadão. Copyright: Grupo Estado. Todos os direitos reservados.

Deixe o seu comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

*