Brasil e China: sócios sem dólares

Lula propõe ao presidente chinês que o comércio entre os dois países seja feito em suas respectivas moedas

 

LONDRES – O presidente Luiz Inácio Lula da Silva propôs que o Brasil e a China utilizem as suas respectivas moedas no comércio entre si, em vez do dólar. Lula apresentou a ideia em reunião com o presidente Hu Jintao, na quinta-feira, em Londres, durante a cúpula do G-20. A proposta será agora estudada pelos chineses, segundo Lula, e voltará a ser discutida durante a visita do presidente brasileiro a Pequim, no dia 19 de maio. A China e a Rússia propõem a criação de uma moeda internacional alternativa ao dólar.

“Não sei se vai ser possível”, disse o presidente, reconhecendo que a iniciativa envolve dificuldades técnicas e até “convencer a sociedade”. “Estamos tentando. Já fizemos com a Argentina. Queremos fazer com o Mercosul e com a América do Sul.” Segundo o presidente, a vantagem é que “um pequeno empresário não tem que ir atrás de dólar para comprar, ou seja, ele faz o negócio na moeda do seu país e nós fazemos na nossa”.

“Essa crise nos ensina que ao longo do tempo nós vamos ter de começar a trocar essas moedas para não ficarmos dependendo do dólar”, declarou o presidente ontem de manhã em Londres, antes de embarcar de volta para Brasília. “Essa crise mostrou uma coisa fantástica. O país que tem a maior crise são os Estados Unidos. Mas, como o dólar é a moeda universal, o dinheiro sai dos países emergentes e vai para os títulos do Tesouro americano, o que é um contra-senso.”

De acordo com Lula, isso acontece porque os EUA “têm a maquininha de produzir dólar”. Pela lógica, disse ele, “o dinheiro deveria estar fugindo dos Estados Unidos e comprando títulos do Tesouro brasileiro, porque temos uma economia muito mais sólida, temos bancos muito mais sólidos”. Lula observou que “esse dinheiro vai para o Tesouro americano e não volta para o comércio”. “Há um fosso, um vazio de dinheiro que precisamos colocar para funcionar”, declarou o presidente.

Ele ponderou que não se trata de “desbancar” o dólar, mas de criar uma “terceira moeda”, considerando o euro a segunda. A China é justamente o maior detentor de títulos do Tesouro americano, seguida pelo Japão, Grã-Bretanha e o Brasil, em quarto lugar. O governo chinês tem pedido aos Estados Unidos proteção para esses títulos.

O presidente do Banco Popular da China (banco central), Zhou Xiaochuan, sugeriu há dez dias a criação de uma “moeda de reserva internacional desvinculada de nações individuais, que possa permanecer estável no longo prazo, com o objetivo de remover deficiências inerentes provocadas pelo uso de moedas baseadas em crédito”.

Zhou citou como possível embrião dessa nova moeda os direitos de saque especiais (SDRs, em inglês), papéis emitidos pelo Fundo Monetário Internacional cujo valor é calculado segundo uma cesta de moedas. Ele admitiu que se trata de uma meta de longo prazo, que requer “visão e coragem” dos governantes.

Lula fez as declarações depois de visitar as obras da Vila Olímpica de Londres, que será sede dos Jogos em 2012 (ver Lula politiza disputa pela sede da Olimpíada). Durante a entrevista coletiva que se seguiu à visita, uma repórter do jornal The Times pediu, antes de fazer uma pergunta: “Presidente, desculpe por meus olhos azuis e minha pele clara.” Foi uma referência à declaração de Lula, na semana passada, ao lado do primeiro-ministro Gordon Brown, em Brasília, de que a crise foi causada por “gente branca de olhos azuis”. Lula não se abateu: “Enquanto você fazia a pergunta, fiquei olhando para os seus olhos azuis. Você faz parte das pessoas de olhos azuis que não têm jeito de banqueiro. Não tem responsabilidade por essa crise. Parece vítima da crise.”


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