Presidente da OAB afirma que ‘situação se complica cada vez mais’ e espanta-se com ‘inoperância’ de órgãos como BC e PF
As condições jurídicas para um processo de impeachment estão dadas. “O raciocínio lógico leva ao presidente da República.” A opinião é do presidente da Ordem dos Advogados do Brasil, Roberto Busato. Em entrevista ao Estado, Busato enumera os fundamentos do impeachment: “o envolvimento claro” com a campanha que levou Luiz Inácio Lula da Silva à Presidência; a proximidade das figuras diretamente envolvidas com o presidente; e a relação direta entre os desvios e o seu governo.
O presidente da OAB aponta um “desvio de conduta” nos petistas envolvidos com corrupção, que diferenciam “erro” de “delito”, quando é para beneficiar o partido, e não em proveito próprio. Busato espanta-se com a “inoperância”, revelada nesse escândalo, de instituições como o Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf), a Polícia Federal, o Banco Central e a Receita Federal.
Entretanto, ele acredita que a democracia brasileira tenha “maturidade” para atravessar mais um processo de impeachment, assim como a economia demonstra a solidez necessária. “Já provamos desse remédio”, lembra Busato, referindo-se ao processo contra Fernando Collor, em 1992.
Estão dadas as condições para se iniciar um processo de impeachment do presidente?
Os fatos estão nos levando a acreditar que sim. A situação vai se complicando cada vez mais. O dinamismo desta crise é impressionante. Se era inviável há dez dias, na semana passada, a denúncia sobre a Portugal Telecom (o suposto envio de emissários para captar dinheiro para o PT e o PTB) já trouxe a crise para dentro do gabinete do presidente e, quinta-feira, apareceu um envolvimento claro com a campanha que o levou à Presidência da República e um indício pelo menos duvidoso da origem desse dinheiro. Resta saber se esse dinheiro veio de uma forma ilícita apenas tributária ou se veio de forma ilícita do erário público.
O senhor tem em mente um processo jurídico ou político?
Político. É nesse foro que está sendo apurado e debatido o problema. Com as declarações do publicitário Duda Mendonça, tenho a impressão de que pode ficar clara, no campo político, a juridicidade de uma medida de impeachment. No campo jurídico, demandaria um amplo processo de coleta de provas, de mostrar a culpabilidade. Tem que se dar o amplo direito do contraditório. Tudo isso poderia levar tempo. O presidente tem mais um ano e meio de mandato. O impeachment político, você inicia e já pode antever resultado a curto prazo.
O senhor falou nas evidências concretas, mas, e do ponto de vista da responsabilidade política?
O raciocínio lógico leva ao presidente da República. Os integrantes do partido, entre eles o ex-presidente José Genoino, o ex-ministro José Dirceu e o próprio presidente Lula, sempre disseram que as práticas políticas do PT eram coletivas. Evidentemente que já está comprovada uma série de delitos por pessoas bastante ligadas ao presidente, de muitos anos antes da campanha. Dirceu e Delúbio Soares fazem parte da biografia do presidente, de sua amizade. O presidente é a expressão máxima do PT. Portanto, não me parece lógico que ele desconhecesse as práticas que seu partido estava adotando na sua própria campanha, e, depois, dentro do seu governo. Havia denúncias a partir do caso Waldomiro Diniz. E o presidente da República nunca veio a público demonstrar transparência na solução desses problemas. Esses indícios todos autorizam juridicamente um pedido de impeachment do presidente.
É boa a estratégia da defesa deles, de circunscrever o crime à esfera eleitoral?
É muito clara a prática de estancar a crise dentro das figuras mais miúdas possíveis. Foi subindo para as figuras mais graduadas do partido do presidente. E também se tentou limitá-la ao delito menor, o eleitoral, para que não houvesse uma conseqüência mais danosa ao presidente e aos demais envolvidos.
Além disso, há uma monumental sonegação fiscal na versão que eles apresentam. Eles têm chance de sair dessa sem uma dívida pesada?
Não, o crime fiscal está confessado várias vezes por várias pessoas. A confissão é a rainha das provas. O Ministério Público já poderia ter interposto várias ações com relação a esses delitos confessados. Eles sempre ressaltam que cometeram “apenas” irregularidades fiscais e eleitorais.
Não dá a impressão de que no Brasil o caixa 2 é socialmente aceito?
Os membros do PT envolvidos na corrupção fazem uma separação entre ‘erro’ e ‘corrupção’, entendendo que em tudo o que é para beneficiar o partido não há delito, mas erro. E que delito é apenas o aproveitamento próprio das verbas desviadas. Isso é desvio de conduta muito grave. Agiram criminosamente.
O que o senhor achou da linha de defesa de Dirceu, de que ele não exercia as funções de deputado quando ocorreram esses fatos e, portanto, não pode ser cassado?
Não concordo com essa tese. Evidentemente que, eleito deputado, durante o mandato, ele teria de manter o decoro parlamentar, mesmo que licenciado. Estamos usando o mesmo critério em relação aos advogados. Estamos oficiando todas as seccionais para verificarem a quebra da idoneidade moral de advogados inscritos na Ordem em razão de espontânea confissão de delito, como é o caso do advogado Roberto Jefferson. Não importa se essa idoneidade foi quebrada na condição de parlamentar. Ele tem de manter as condições para sua inscrição na Ordem. Serão abertos os processos de representação para cassar suas inscrições.
A grande produção de provas vem dos registros do Coaf (Conselho de Controle de Atividades Financeiras, do Ministério da Fazenda) de movimentações acima de R$ 100 mil. Por outro lado, não fica a sensação de que a fiscalização não funcionou?
Vários institutos deixaram de funcionar. O Coaf ou não conseguiu captar ou foi negligente e omisso. A Polícia Federal, que investiga tanto, não conseguiu detectar nenhuma irregularidade com toda essa movimentação de dinheiro. Não é possível que esse Banco Rural tenha praticado tantos fatos que não foram detectados pela análise sistêmica que o Banco Central é obrigado a fazer. Onde estava a Receita Federal, com todos esses ilícitos tributários declarados? É incrível a inoperância de instrumentos do Estado brasileiro para evitar ou estancar uma corrupção sistêmica que estava ocorrendo dentro do governo Lula. Temos de reexaminar a legislação e as instituições.
No caso de abertura do processo de impeachment, pode-se falar em crise institucional?
Já provamos desse remédio. Ele é muito amargo, mas não houve nenhum abalo ao estado democrático de direito, muito pelo contrário: é o instrumento constitucional que foi aplicado para debelar uma crise de moralidade muito forte. O Brasil demonstra grande serenidade diante dessa crise, assim como a economia.
Com esses escândalos envolvendo parlamentares, o Congresso terá credibilidade para conduzir um eventual processo de impeachment?
O Congresso vai ter de purgar os fatos que ocorreram no seu âmbito e enfrentar suas obrigações em relação a um eventual julgamento político do presidente. Por enquanto, o Congresso está respondendo aos anseios da sociedade.