Vagas abertas nos 12 meses até agosto chegaram a 1,276 milhão, segundo o Caged, mas há quem desconfie desses números
Depois de ficar dois anos desempregada, Priscila Quirino, de 23 anos, tem de escolher entre dois empregos. Há quatro meses, ela entrou como caixa num centro automotivo da Vila Guilherme, zona norte de São Paulo. Com carteira assinada, ela recebe R$ 500 mais R$ 130 para a condução até a sua casa em Guarulhos. Há um mês e meio, Priscila, que tem o curso médio de auxiliar de enfermagem, passou a duplicar sua jornada numa clínica no centro de Guarulhos, cobrindo uma licença-maternidade. Ali, ganha R$ 400, mas não está registrada. Apesar de a clínica estar dentro de sua área de formação, Priscila optou pelo centro automotivo – por causa da carteira assinada.
Antes, ela só tinha sido registrada uma vez, em 2000, como auxiliar num escritório de advocacia, onde ganhava R$ 350. Foi substituída por uma estagiária, que trabalhava por menos. Um hipermercado vai ser inaugurado em frente à oficina. Prevendo o aumento do movimento, sua dona, além de contratar novos funcionários, está oferecendo hora extra e comissão. No ano que vem, Priscila tem planos de entrar numa faculdade de administração.
Sua irmã Rita, de 25 anos, também está pensando em voltar a estudar no ano que vem. Há três anos e meio, ela entrou como estagiária no call center de uma transportadora. Depois de três promoções, é líder de equipe, ganhando R$ 1.217 mais transporte, cesta básica, vale-refeição e assistência médica. “Lógico que dinheiro é importante, mas registro em carteira é fundamental”, diz Rita, que trabalha desde os 16 anos e antes teve dois empregos sem carteira.
Thiago, o caçula, de 18 anos, voltou agora de Diamantina (MT), onde trabalhou por três meses, com carteira assinada, como auxiliar de escritório numa exportadora de algodão, soja e milho. O salário, de R$ 670, era engordado com as horas extras e os fins de semana, chegando a R$ 1.500. O contrato deveria se estender até o fim do ano, mas a safra magra antecipou sua rescisão – com todos os direitos pagos.
Na terça-feira, Thiago estava em treinamento para uma vaga numa empresa de planos odontológicos, que oferecia salário básico de R$ 928 e comissões de até R$ 9.600, quando um amigo lhe telefonou avisando que a polícia havia baixado na sede da firma, acusada de não entregar o que vende. O amigo de Thiago foi buscar a carteira de trabalho na delegacia. Na quinta, Thiago fez uma entrevista numa grande rede de supermercados, e aguarda o resultado.
Os três irmãos encarnam as estatísticas de emprego no Brasil. O Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged), a quem as empresas são obrigadas a informar mensalmente demissões e contratações, registra saldo de 1,276 milhão de novos empregos formais nos 12 meses até agosto. No período anterior, cresceu mais: 1,433 milhão. Isso, sobre um universo de 29,544 milhões de empregados formais, segundo a Relação Anual de Informações Sociais (Rais) de 2003, a última disponível.
Nos últimos 12 meses, os setores mais dinâmicos (ver gráfico) foram comércio, mineração e serviços – que emprega Priscila e Rita. Todos, no entanto, tiveram saldo positivo, com exceção do agronegócio, como atesta a história de Thiago.
PROPAGANDA
Os números do Caged são brandidos pelo governo Lula como se significassem criação de novos empregos – e dos bons, os formais. Mas apenas o último adjetivo é comprovável. Que os empregos formais estão aumentando parece inegável, apesar da mudança na metodologia do Caged, que a partir de janeiro de 2002 passou a contabilizar a movimentação de empresas novas. Antes, elas não entravam no cálculo.
Na época, especialistas ouvidos pelo Ministério do Trabalho concluíram que a mudança não alteraria a série histórica. “Tenho encontrado mudanças tão fortes que temos que avaliar isso melhor”, diz Paula Montagnes, coordenadora do Observatório do Trabalho, que assessora o ministro Luiz Marinho. Segundo a nota técnica redigida na época, as distorções seriam corrigidas pela Rais, compilada no fim de cada ano. Mas a de 2004 só deve ficar pronta em novembro. “Estamos ansiosos para analisar esses números”, conta Paula.
Em qualquer caso, concordam os especialistas, o Caged não é um índice de emprego. Para se saber em que medida o que ele está detectando é geração de novos postos de trabalho ou a formalização de empregados que antes estavam sem carteira assinada, é preciso compará-lo com a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio (PNAD) e com a Rais. O PNAD de 2004 está para ser divulgado pelo IBGE. A Rais, só no mês que vem. Entre 500 mil e 550 mil empresas declaram movimentações no Caged mensalmente; na Rais, entram o total das 6 milhões de empresas formais.
A Pesquisa Mensal de Emprego (PME) do IBGE detectou queda no desemprego, de 11,4%, em agosto de 2004, para 9,4%, em 2005; e aumento dos empregados com carteira assinada, de 43,4% para 44,9% dos ocupados. Mas, assim como a da Fundação Seade, que também detecta essas tendências, a pesquisa só é feita nas regiões metropolitanas. O comportamento do emprego no interior – está aí o agronegócio – pode estar diferente.
“O governo Lula está dizendo que gera muitos empregos”, diz Hélio Zylberstajn, da Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas (Fipe) da USP. “Acho prematuro.” Será preciso esperar mais um pouco para saber até que ponto o dinamismo econômico sugerido pelo Caged é consistente. E quanto dele não passa da venda de uma ilusão, como os planos odontológicos de Thiago.