Parte do oficialato critica ‘falta de firmeza’ de FHC

Na área econômica, militares condenam juros altos e especulação; já a privatização é bem aceita

 Entre os militares, como em qualquer grupo social, a simpatia ou antipatia em relação ao presidente Fernando Henrique Cardoso depende de gostos pessoais. Entretanto, influentes círculos militares se ressentem do que identificam como a falta de “firmeza” ou de “pulso” do presidente e, conseqüentemente, do governo. A personalidade do presidente, definida como “hesitante”, agrava, segundo eles, situações já delicadas.

Generais julgam que a falta de decisão política clara do governo de conter ameaças à segurança pública, como as invasões dos sem-terra, torna difícil e perigosa a atuação do Exército, quando é mobilizado para assegurar a manutenção da lei e da ordem, como ocorreu em Parauapebas (sul do Pará).

Outro exemplo citado é o processo de criação do Ministério da Defesa. Os ministros militares queriam que a extinção de suas pastas só ocorresse depois de estabelecidos definitivamente, no Congresso, o formato e atribuições do Ministério da Defesa. Já o presidente queria empossar o novo ministro junto com todo o gabinete, em janeiro. Escolheu meia solução: manteve os ministérios militares e criou, por medida provisória, o Ministério Extraordinário da Defesa.

Fernando Henrique acabou deixando todos insatisfeitos: os então ministros militares, que, depois de resistir à fórmula, passaram os cargos a seus sucessores sem saber como ficará estruturada a área da Defesa, e o ministro nomeado, o senador Élcio Álvares, precariamente instalado numa sala do Estado-Maior das Forças Armadas, na desconfortável situação de estar à frente de um ministério inexistente.

Um capitão-de-mar-e-guerra (o equivalente a coronel) bate na madeira quando ouve o presidente dizer que “o País tem rumo”. “Deus te ouça”, diz o oficial, explicando que “o importante é a definição da política”. Uma vez definida, o resto é resultado. Os militares aplicam esse raciocínio não só à defesa, mas a todas as áreas.

Eles reclamam também do baixo nível e da falta de seriedade de grande parte dos congressistas. Ao trazer a discussão para sua área, um assessor militar no Congresso reclama que “não há dez deputados que entendam de defesa”. Os militares tampouco acreditam que desse Congresso saia uma reforma política digna do nome. “Fala-se muito na credibilidade externa”, diz um general. “Estou preocupado com a credibilidade interna do governo.”

Na esfera econômica, muitos militares não concordam que o movimento pendular dos capitais especulativos e, com ele, os juros altos, sejam necessários. Julgam que o controle dos primeiros poderia ser o ponto de partida da redução dos últimos.

Há um traço acentuado de nacionalismo, como seria de esperar, na visão econômica da maioria dos oficiais. Mas esse nacionalismo não resvala no estatismo. Não se detecta oposição de princípio à privatização. Na das telecomunicações, que tocava os militares mais de perto, o governo consultou as Forças Armadas sobre suas implicações. As comunicações militares ficaram sob administração direta da Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) e a questão parece resolvida a contento. A tentativa, pela oposição de esquerda, de caracterizar os setores privatizados como “estratégicos”, não encontrou ressonância na cúpula militar.

Os militares criticam a tendência a reconhecer na globalização uma relativização do papel do Estado e uma redução de soberania. Embora não se manifestem contra “a moda do mercado”, como definiu um general, preocupam-se com o aspecto de exercício da hegemonia que ele pode assumir. O Estado e a soberania, da qual as Forças Armadas são guardiãs, são conceitos absolutos para eles. O desenvolvimento científico, aí incluído o domínio da tecnologia nuclear, é considerado questão estratégica.

Há preocupação e descontentamento com o ritmo da pesquisa no Brasil. Na área militar, os cortes no orçamento de 1999 paralisaram projetos como o do submarino a propulsão nuclear – desenvolvido pela Marinha –, que já iam devagar. Além dos cortes, há o problema crônico da irregularidade na liberação de recursos. “Temos nossos compromissos internacionais”, alerta um assessor militar no Congresso, contra o vai-e-vem de verbas para projetos.

Deixe o seu comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

*