Chávez, em nome dos ‘povos do Sul’: Bush é ‘tirano, terrorista, o diabo’

Num discurso de improviso nas Nações Unidas, venezuelano faz violento ataque pessoal ao presidente dos EUA

 

O presidente Hugo Chávez aproveitou ontem a tribuna da Assembléia Geral da ONU para trazer para um plano pessoal os seus ataques contra o presidente dos Estados Unidos, George W. Bush. Falando em nome dos ‘povos do Sul’, e citando o presidente Luiz Inácio Lula da Silva duas vezes, Chávez chamou Bush de ‘diabo’, disse que ele precisa de um psiquiatra e o acusou de ser o maior patrocinador do terrorismo internacional.

Com seu estilo informal e debochado, falando a maior parte do tempo de improviso, Chávez começou sua apresentação no papel de resenhista, recomendando aos colegas a leitura de O Império Americano – Hegemonia ou Sobrevivência (publicado no Brasil pela Campus, em 2004), do americano de origem judaica Noam Chomsky. Segundo Chávez, ‘a pretensão hegemônica do imperialismo americano põe em risco a sobrevivência da própria espécie humana’.

Advertindo os cidadãos americanos, que ‘têm o diabo na própria casa’, Chávez investiu, benzendo-se com o sinal da cruz e arrancando risadas do plenário: ‘Ontem, veio o diabo aqui. Ainda cheira a enxofre esta mesa.’ Sem pronunciar uma só vez o nome ‘Bush’ em seu discurso de 2.940 palavras, o presidente venezuelano narrou: ‘Veio aqui falando como dono do mundo.

Um psiquiatra não seria demais para analisar o discurso do presidente dos EUA. Como porta-voz do imperialismo, veio dar suas receitas para tentar manter o atual esquema de dominação, exploração e saque dos povos do mundo.’ Chávez, que ficou conhecido depois de liderar uma tentativa de golpe em 1992, governa desde 1999 e pretende a re-reeleição em dezembro, chamou Bush de ‘presidente tirano mundial’, e disse que seu modelo é o da ‘falsa democracia das elites (…), imposto a bombardeios, invasões e tiros de canhão’. Chávez bradou, para uma platéia entre divertida e abismada: ‘Fogo imperialista! Fogo fascista! Fogo genocida do império e de Israel contra o povo inocente da Palestina e do Líbano.’

O presidente venezuelano citou Lula duas vezes, ao falar da necessidade de reforma da ONU. Disse que o organismo só servia para os chefes de Estado e de governo se reunirem uma vez por ano e ouvir ‘discursos bons’ como o de Lula e o do presidente boliviano, Evo Morales, sobre o qual exerce um papel de tutor informal, tendo-lhe emprestado avião para um tour pelo mundo depois de eleito e fornecendo petróleo barato à Bolívia, que já ensaiou várias vezes nacionalizar os ativos da Petrobrás. Chávez aproveitou para pedir uma vaga de turno no Conselho de Segurança, para a qual tem o apoio do Mercosul, que a Venezuela passou a integrar no início do ano.

Além da Bolívia, Argentina, Uruguai e Paraguai – membros do Mercosul -, Equador, Cuba e os 13 países da Comunidade do Caribe se beneficiam de petróleo a preços baixos da Venezuela, o quinto maior exportador mundial. Segundo cálculos de economistas, essas gentilezas subtraíram da Venezuela US$ 1,7 bilhão em ‘custo de oportunidade’. Com Lula, Chávez firmou em 2005 convênio para construir uma refinaria em Pernambuco, terra natal do presidente, ao custo de US$ 2,5 bilhões, dividido ao meio.

Mas o que sustenta mesmo a ‘diplomacia do petróleo’ de Chávez, que se está tornando um líder popular em lugares tão diferentes como o Irã, o Líbano, os territórios palestinos e Cuba, são as exportações para os EUA. Do total de 3,1 milhões de barris de petróleo produzidos diariamente pela Venezuela, 1,3 milhão (42%) destina-se ao mercado americano.

Ao preço atual de cerca de US$ 70 o barril – produto das turbulências no Oriente Médio pelas quais Chávez responsabiliza Bush -, essas exportações aos EUA rendem à Venezuela US$ 33,2 bilhões ao ano, ou 31% de todo o PIB venezuelano. A Citgo, subsidiária da estatal venezuelana PDVSA, possui uma das maiores redes de refinarias e de postos de combustíveis dos EUA. Para o mercado americano, a Venezuela é o terceiro fornecedor de petróleo.

Além de ‘relançadas’, o presidente pediu que as Nações Unidas tenham sua sede transferida de Nova York para o Rio de Janeiro. Para ilustrar a conveniência da medida, ele contou que seu médico pessoal e seu chefe de segurança ‘tiveram que ficar encerrados no avião’, sem autorização de entrada nos EUA – ‘outro abuso e atropelo pessoal do diabo’.

‘Viemos felizes de Havana’, celebrou Chávez, referindo-se às cúpulas do Movimento dos Não-Alinhados e do G-15, na semana passada. ‘Somos homens e mulheres do Sul’, reivindicou Chávez, que, com ataques aos EUA, já roubara a cena em Havana, na ausência do presidente Fidel Castro, que se recupera de uma cirurgia no intestino.

 

Chávez acusou os EUA de ‘planejar, financiar e impulsionar’ a tentativa de golpe contra ele, em abril de 2002. Lembrou o assassinato do chanceler chileno Orlando Letelier, em 1973, atribuído a agentes da CIA, e o atentado contra um avião cubano que deixou 73 mortos em 1976. O suposto autor, o cubano Luis Posada Carriles, foi preso na Venezuela, mas conseguiu fugir para os EUA, onde também está preso, mas o governo americano não atende ao pedido de extradição. ‘O governo dos EUA tem um peso e duas medidas, e protege o terrorismo’, foi a estocada final de Chávez, bastante aplaudido.

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