Venezuela pode ingressar em regime de partido único

De acordo com analista, a partir do ano que vem, a oposição será exercida nas ruas e nos meios de comunicação

 

CARACAS

Num país polarizado, marcado pela hostilidade dos intelectuais em relação a Hugo Chávez, o cientista político Carlos Romero, além de analista arguto, tem a rara qualidade da isenção. Em entrevista ao Estado, Romero, 52 anos, professor da Universidade Central da Venezuela, avalia que o país pode estar ingressando num regime de partido único. A partir do ano que vem, acredita Romero, a oposição deverá ser exercida nas ruas e nos meios de comunicação, uma vez praticamente excluída da Assembléia Nacional, na eleição de amanhã.

“A oposição está indiferente, muito pessimista”, diz o cientista político. “Não crê mais nos seus dirigentes.” Para Romero, “Chávez tem controle total” sobre o país. O analista acha também que o que se está implantando na Venezuela não é um sistema parecido com o cubano, mas simplesmente uma política populista.

A oposição optou pelo boicote quando percebeu que não tinha chances eleitorais?

Desde agosto, os setores mais radicais da oposição diziam que não participar dessas eleições. Os setores que queriam participar tentaram formar uma lista única de candidatos da oposição, mas não foi possível. Desde setembro, quando se formaram três listas oposicionistas, ficou claro que a oposição não estava unida. Por outro lado, as pesquisas de opinião mostravam que a maioria dos eleitores de oposição não iam votar. A abstenção geral, em setembro, era estimada em 65; a dos eleitores oposicionistas, 90%. Com isso, dos 167 deputados da Assembléia Nacional, o máximo que a oposição ia eleger seria entre 17 e 18 – ou 14%. Assim, os partidos que tinham decidido participar das eleições começaram a se der conta, já em outubro, de que nem seus simpatizantes nem seus militantes iam votar. O resultado se mostrava bastante adverso. Ao mesmo tempo, a deterioração no sistema eleitoral foi-se agudizando. As pesquisas mostravam que a maioria não confia no Conselho Nacional Eleitoral (CNE, o órgão do governo responsável por organizar o pleito). Tudo somado levou à decisão de boicotar as eleições.

O sucesso da estratégia da oposição depende de sua capacidade de pôr em xeque a legitimidade das eleições, mas tudo indica ela fracassará, já que os monitores internacionais vêm dando sinais de que aceitarão a legalidade formal do pleito.

Não há dúvida de que foi um grande erro haver-se retirado das eleições. A comunidade internacional não tem elementos suficientes para acusar o CNE de parcialidade. O resultado será muito favorável ao governo, e suscitará a discussão: será que a Venezuela está ingressando num sistema de partido único? A oposição não estará mais nas instituições, nos poderes de Estado, mas nas ruas e nos meios de comunicação. O paradoxo disso é que o governo vai ganhar as eleições, mas vai passar a enfrentar mais a oposição, na mídia, nos protestos de rua. Vai-se inaugurar um novo tipo de oposição. Nesse sentido, o Súmate (“Some-se”, movimento independente pró-cidadania, que não participa de eleições) está se convertendo num processo fundamental na política venezuelana. Os ex-grandes partidos de oposição estão assumindo uma posição praticamente periférica, do ponto de vista eleitoral. A Ação Democrática, que era o maior deles, teve 200 mil votos nas eleições municipais de 31 de outubro.

Quais as intenções de Chávez? Com o Parlamento totalmente em suas mãos, ele pretende eliminar as restrições à sua reeleição?

Teremos uma reforma constitucional, com três mudanças: a Venezuela passará a ser constitucionalmente uma república socialista; Chávez poderá se reeleger por mais dois mandatos, o que dá um total de quatro; e haverá mais restrições à imprensa privada, o que é preocupante.

Quatro mandatos de cinco anos significam 20 anos no poder.

Eu tenho 52 anos. Isso quer dizer que toda a minha vida útil será à sombra de Chávez. Entretanto, devemos considerar que, na Venezuela, e aliás na América Latina, podem acontecer muitas coisas: a deterioração da economia, a radicalização da oposição, problemas com os Estados Unidos. Não se deve ser pessimista. O próprio do boom do petróleo, na verdade, não ajuda os princípios revolucionários de Chávez. Ele gera mais acúmulo de riqueza, e mais desigualdade entre ricos e pobres.

Mas Chávez está estruturando um poder que vai além das eleições, com a criação de comitês, assembléias, grupos de mobilização local, que lembram o sistema cubano.

Não creio que tenhamos chegado perto do regime cubano. Acho que o que está sendo implantado é um regime populista, ao estilo de Juan Velasco Alvarado no Peru (1968-75) e de Juan Domingo Perón na Argentina (1946-55 e 1973-74). É muito difícil para os venezuelanos aceitar o regime cubano. É difícil o socialismo se implantar na Venezuela. Este país é um caixa do mundo, e tem dinheiro para fazer frente a todas as demandas. Chávez é um grande líder. Eu vinha no carro ouvindo o seu discurso (quinta-feira à noite). Ele tem um discurso de alto nível. Posso não concordar com ele, mas, como politólogo, tenho que reconhecer que ele é sofisticado. A oposição não tem um líder à altura de Chávez.

A sensação que se tem é a de que aquela polarização política que havia na época do golpe, em abril de 2002, se esvaiu. A oposição está anestesiada?

Ela está indiferente, muito pessimista. Não crê mais nos seus dirigentes, acusa-os de de tê-la levado a três derrotas consecutivas: a greve empresarial que antecedeu o golpe de 2002; a greve petrolífera de dezembro daquele ano e o referendo de agosto de 2004, sobre a revogação do mandato de Chávez. As pesquisas indicavam que ganharia o “não”. Pois o reitor da minha universidade “comprou”, no sentido figurado, uma pesquisa que dava a vitória do “sim”. Essas coisas criaram a sensação de que os setores dirigentes não foram sinceros.

A questão é que Chávez é imbatível eleitoralmente.

Sim, mas é bom lembrar que ele também tem cometido erros. Ele não conseguiu controlar a classe média.

Mas ela não se está incorporando ao chavismo?

A maioria, não. Apenas uma pequena parte. Chávez recuou em relação aos Estados Unidos. Ele tem se dado conta de que não pode ser radical demais contra o imperialismo e ao mesmo tempo mandar 1,3 milhão de barris diários aos EUA. Ele está se reconciliando com países ocidentais, como Espanha, Itália, e até com a Colômbia, porque entendeu que não podia isolar-se. Foi a oposição que ainda não entendeu isso, que vê a questão como o eixo Havana-Caracas. Chávez sabe que há limites.

O antiimperialismo dele é apenas retórico?

Até agora, sim. Além disso, é preciso observar que há setores das Forças Armadas que se estão beneficiando muito com o governo Chávez, não só pela compra de armamentos e pelos soldos maravilhosos, mas pelas oportunidades de corrupção que têm criado. Se Chávez radicaliza, eles o derrubam. Esse não é um governo militar, no sentido clássico, mas é um governo de militares. Chávez sabe que, se aprofundar mais seu caráter revolucionário, será pior para ele.

As coisas estão mudando muito depressa.

 

Sim, mas há estabilidade. Ao contrário do que tenho lido na imprensa internacional, esses não são dias decisivos. Chávez tem controle total. Foram muitas eleições, muitas marchas.A maioria dos venezuelanos sofre de fadiga eleitoral. 

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