Berlusconi deve mirar Rússia, EUA e ‘triângulo’ com França e Alemanha
ROMA – As relações com o Brasil esfriam (leia em Aproximação com Brasil pode perder fôlego); com a Rússia, esquentam. Na Europa, pode-se formar um triângulo com os governos de centro-direita da Alemanha e da França. Mas também pode haver uma “união mediterrânea” franco-italiana, como contrapeso ao gigante alemão. Os EUA voltam a ser vistos como “modelo” para a Itália. Israel recupera o aliado de todas as horas no Palazzo Chigi. Assim podem ser resumidas as implicações, para a política externa italiana, da eleição de Silvio Berlusconi.
Do ponto de vista ideológico, Berlusconi é conhecido por seu “atlantismo”, ou seja, a prioridade que reserva às relações com os EUA. Em seu governo anterior (2001-2006), o Cavaliere demonstrou nítido orgulho por sua amizade com o presidente George W. Bush. Pressionado pela opinião pública católica, Berlusconi não participou da invasão do Iraque, mas enviou tropas na etapa posterior, de ocupação, diante da insistência de Bush, recorda Lucio Caracciolo, editor da revista de geopolítica Limes. Pagou um preço por isso na eleição de 2006, que perdeu para Romano Prodi, de centro-esquerda. Em todo caso, “as relações com os EUA dependerão de quem assumirá a Casa Branca depois das eleições de novembro”, pondera Paolo Magri, diretor do Instituto de Estudos de Política Internacional, com sede em Milão.
Tampouco se sabe como o primeiro-ministro eleito na segunda-feira conciliará o atlantismo com sua estreita amizade com o homem forte da Rússia, Vladimir Putin – o primeiro governante a visitar Berlusconi depois de eleito, na quinta e sexta-feira. A Rússia vive às turras com os EUA – e, de resto, com a União Européia. O problema não se colocava no governo anterior de Berlusconi, assinala Magri, porque as relações entre Putin e Bush, no começo, eram bem melhores que hoje.
á certa lógica de Estado nas relações entre a Itália e a Rússia. No governo Prodi, a estatal de energia ENI já negociava com a gigante russa Gazprom troca de ativos no exterior, e a Itália participava do projeto do gasoduto South Stream, que parte da Rússia e atravessa a Europa Central até o Mediterrâneo.
O mais cotado para assumir o Ministério das Relações Exteriores é Franco Frattini, atual vice-presidente da Comissão Européia e chanceler no governo anterior de Berlusconi. As relações “mornas” do governo anterior de Berlusconi com seus parceiros europeus, como Magri as qualifica, não devem se repetir. É preciso lembrar, diz ele, que a Alemanha e a Grã-Bretanha eram governadas pela centro-esquerda, com Gerhard Schroeder e Tony Blair, respectivamente. Hoje, apenas a Grã-Bretanha continua sob a centro-esquerda, com Gordon Brown.
Quanto à França, Berlusconi gosta de sublinhar sua afinidade com Nicolas Sarkozy, reivindicando para si um papel de “modelo” do presidente francês, 18 anos mais jovem: “Ele é um moderado, um conservador, mas também um revolucionário, no sentido de que, como eu, quer mudar a velha política.” Até mesmo sua resistência, durante a campanha, à compra da Alitalia pela Air France-KLM parece ter-se dissipado: nos últimos dias, Berlusconi admitiu que a saída para a insolvência da estatal italiana possa passar por uma parceria com a companhia francesa.
Com a chanceler alemã, Angela Merkel, Berlusconi e Sarkozy poderiam formar um “triângulo”, estima Magri. Esse quadro deve ser matizado pela recente aproximação de Sarkozy com Brown, observa Antonio Varsori, professor de História das Relações Internacionais na Universidade de Pádua e atualmente pesquisador na Science Po, em Paris.
“Parece que Sarkozy quer evitar o vínculo tradicionalmente forte entre a França e a Alemanha”, diz Varsori. “As relações entre os dois países sempre serão importantes, mas Sarkozy tenta reequilibrá-las, diante do peso ganho pela Alemanha com a reunificação. É como se quisesse mostrar que a França tem condições de realinhar forças na Europa.” Nesse contexto, poderia surgir a “união mediterrânea” com a Itália.
Sarkozy e Berlusconi têm uma causa em comum: o desejo de influir politicamente no poderoso Banco Central Europeu, em favor da desvalorização do euro e da redução dos juros. Seu aliado da Liga do Norte, Umberto Bossi, pressiona nesse sentido, em defesa da competitividade dessa região industrializada da Itália. Mas essa idéia só será levada a sério se outros países europeus importantes aderirem a ela, avalia Varsori, que não vê sinais disso.
Na Itália, como noutras partes, observa-se a simpatia da esquerda pela causa palestina e da direita por Israel. Gianfranco Fini, parceiro de Berlusconi na aliança de centro-direita e vice-premiê em seu governo anterior, escolheu o Parlamento israelense, em 2003, para denunciar o fascismo, ao qual estivera associado. Agora, Berlusconi escolhe Israel para sua primeira viagem como premiê.
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