Imigrantes ilegais vivem com medo das polícias do Iraque e Jordânia

Eles não têm papéis para ficar em território jordaniano, temem ser mortos se voltarem para seu país e não são aceitos noutros

AMÃ – Em contraste com os frequentadores do Café Central, todos conhecidos e respeitados no meio intelectual, há na Jordânia uma imensa massa – calcula-se em 200 mil – silenciosa e anônima de iraquianos, que lutam para sobreviver, levando uma vida duplamente clandestina: com medo da mukhabarat, a temida polícia secreta iraquiana, e da polícia jordaniana, já que vivem e trabalham no país ilegalmente.

Esses iraquianos vivem no limbo. Não têm papéis para permanecer na Jordânia, país já saturado de refugiados palestinos e agora iraquianos; não conseguem visto para ir para outro país; e não podem voltar para o Iraque, onde o regime tem o hábito de matar os cidadãos que regressam do exterior. O escritório do Alto Comissariado da ONU para Refugiados funcionava num prédio comum em Amã. Teve de mudar para o prédio da ONU depois que descobriu que agentes iraquianos haviam alugado apartamentos no prédio para espionar quem vinha do Iraque pedir refúgio.

“Está tudo fechado para mim”, diz uma iraquiana de 37 anos, há cinco na Jordânia. Ela não consegue visto para os Estados Unidos, onde a mãe, de 63 anos, trabalha como empregada doméstica, o mesmo serviço que ela faz em Amã, apesar de ter curso superior e falar inglês e francês. “Não tenho dinheiro, emprego e papéis. Estou esperando atacarem o Iraque. Quem sabe depois possa vir algo de bom”, diz ela, temendo pela sorte dos irmãos que ficaram em Bagdá.

Outro iraquiano, que vive há nove anos em Amã, estremece ao pensar na guerra. Ele tinha 24 anos na época da Guerra do Golfo (1991) e foi recrutado pelo Exército. Ficou numa guarnição militar em Taji, a 30 quilômetros de Bagdá. “Não havia onde ficar”, diz ele. “A qualquer momento explodia uma bomba em algum lugar por perto.” Ele e a irmã, de 26 anos, também aguardam visto para os EUA, onde uma irmã mais velha mora há 20 anos. Ele sobrevive em Amã fazendo bicos de manutenção de máquinas.

À pergunta sobre se, com a eventual queda de Saddam, eles vislumbram a possibilidade de uma democracia, o iraquiano atalha: “Mustahil.” Impossível. “O Exército recruta as pessoas à força e os soldados foram obrigados a matar muita gente”, explica ele. “Se Saddam sair, vai haver um acerto de contas. As famílias das vítimas vão se vingar dos assassinos, e o país vai ficar muito pior. Saddam ainda mantém o país estável: só ele pode matar.”

Outro casal de irmãos veio apenas passar uns dias na casa de uma amiga da família. A irmã, que dá aula numa universidade no norte do país, teve um ataque nervoso e veio a Amã para receber tratamento. Com a falta de remédios no Iraque, esse é um dos únicos motivos que o governo aceita para a saída de cidadãos. “Não sabemos o que pode acontecer no Iraque”, diz o irmão, que trabalha no comércio. “Lá a gente nunca sabe o que as outras pessoas estão pensando. A política é um mistério, ninguém entende. Televisão por satélite e celular são proibidos. Não há comunicação nem informação.”

Publicado no Estadão. Copyright: Grupo Estado. Todos os direitos reservados.

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