Facção impõe segurança em Gaza

Moradores dizem que antes havia muitos bandidos, mas agora podem sair às ruas a qualquer hora

GAZA – No fim da tarde de terça-feira, Rebhi Salim el-Ashi, de 65 anos, esperava sentado numa cadeira de plástico na calçada por interessados em alugar sua sala comercial, recém-pintada de branco, na Avenida Omar al-Mukhtar, uma das principais de Gaza. Apenas quatro dias depois de o Hamas tomar o controle militar sobre a Faixa de Gaza, numa sangrenta batalha com o Fatah que deixou mais de cem mortos, o otimismo de El-Ashi poderia parecer meio fora de lugar.

“Agora está muito bom, porque existe segurança”, explicou El-Ashi. “Antes, ninguém podia andar nas ruas, de medo dos criminosos. Agora, estamos tranqüilos”, disse o aposentado. Seu primo Suleiman el-Ashi, um jornalista de 22 anos, que trabalhava no jornal Palestina, pertencente ao Hamas, foi morto há um mês pelo Fatah, num primeiro round da violência, que deixou mais de 40 mortos, antes de uma delegação egípcia obter uma curta trégua entre as duas facções.

“A luta não foi entre o Hamas e o Fatah, mas contra uma parte do Fatah, que praticava crimes porque não queria a estabilidade e a segurança em Gaza”, analisa El-Ashi. “O Hamas ganhou as eleições, mas o mundo não quer o Hamas nem o Islã na Palestina.” El-Ashi não é o único que responsabiliza o Fatah pela onda de seqüestros e assassinatos.

“A segurança melhorou”, testemunha Youssef al-Makadma, dono das fábricas de biscoitos e de sorvetes Al-Arees, e um dos mais bem-sucedidos empresários da Faixa de Gaza. “Havia muitos bandidos. Como não há atividade econômica, todo mundo queria roubar. Agora, pode-se sair na rua a qualquer hora, sem problemas.”

Nas cidades, os homens de farda azul camuflada das Forças Executivas do Hamas patrulham as ruas. Nas estradas, milicianos do Hamas de camisetas e calças pretas inspecionam os carros e abordam os passageiros, em barreiras erguidas com blocos de concreto e sacos de areia.

Até a tomada da Faixa de Gaza pelo Hamas, há duas semanas, o Fatah estava a cargo da segurança interna, monopolizando praticamente todas as forças armadas palestinas. Depois de vencer a eleição em janeiro de 2006 e formar um governo em março, o Hamas não conseguiu assumir o controle das forças de segurança, que continuou nas mãos do presidente Mahmud Abbas, dirigente do Fatah. Em compensação, Abbas permitiu que o Hamas formasse as Forças Executivas.

A vitória do Hamas na eleição levou os Estados Unidos a cortarem a ajuda financeira ao governo palestino. Teriam passado a entregá-la diretamente ao Fatah, além de lhes oferecerem treinamento militar e armamentos. Pelo menos é o que se diz na região, embora o Fatah afirme que a ajuda tenha ficado só na promessa. De qualquer forma, a versão respaldou o Hamas em sua acusação de que o Fatah, favorável a um acordo de paz com Israel, “vendeu-se” para os Estados Unidos.

Diante do visível robustecimento das Forças Executivas e das milícias – aparentemente com ajuda do Irã e da Síria -, toda vez que o Hamas era questionado sobre suas intenções, dizia que estava se armando para enfrentar Israel.

No fundo, a tomada de Gaza culminou uma inversão nas prioridades tanto do Fatah quanto do Hamas. Criado para combater Israel, o Hamas passou a se ocupar de se preparar para tomar o poder em Gaza – e no futuro, talvez, também na Cisjordânia. Já o controle das forças de segurança pelo Fatah lhe servia, prioritariamente, para se manter no poder, como um fim em si mesmo – e não para cuidar da segurança. Isso explica, em parte, a criminalidade descontrolada da qual se queixam os moradores de Gaza. Mas não só isso.

Na miríade de grupos paramilitares – o Hamas tem as Brigadas Ezzedin Al-Qassam, o Fatah, os Mártires de Al-Aqsa, e há ainda a Jihad Islâmica – com suas respectivas ramificações, tornou-se cada vez mais difícil distinguir o crime político do comum. O Jeish al-Islam (Exército do Islã), que mantém desde 12 de março no cativeiro o jornalista Alain Johnston, da BBC, exige a libertação do clérigo radical Abu Qatada, preso na Grã-Bretanha. Mas, segundo se comenta em Gaza, US$ 5 milhões também resolveriam o problema.

O Fatah diz que o Jeish al-Islam pertence ao Hamas. O Hamas diz que o seqüestro é obra de aliados de Mohammed Dahlan, líder do Fatah na Faixa de Gaza e conselheiro de Segurança Nacional do presidente Mahmud Abbas, instalado em Ramallah, na Cisjordânia, depois da derrota. “Johnston foi seqüestrado pela família Dormush, que é apoiada por Dahlan”, assegurou ao Estado o capitão Hassan al-Sumassi, do Hamas, novo comandante da prisão de Al-Saraya, quartel-general da Força Nacional palestina. “Não somos os taleban.”

Publicado em O Estadão. Copyright: Grupo Estado. Todos os direitos reservados.

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