Trump: hora de voltar a ser Trump

TRUMP: ganha força a avaliação de que, para ter alguma chance, ele não pode mais tentar ficar parecido com Hillary/ Eric Thayer/ Reuters

Lourival Sant’Anna

Em “Estranho Caso de Dr. Jekyll and Mr. Hyde”, o escritor escocês Robert Louis Stevenson constroi um personagem com dupla personalidade, um médico respeitado na cidade, que se metamorfoseia em um homem malvado. O marqueteiro Paul Manafort, que já trabalhou para ditadores como o congolês Mobutu Sese Seko e o filipino Ferdinand Marcos, assim como para o ex-presidente pró-russo da Ucrânia Viktor Yanukovitch, tentou fazer o inverso: converter o Mr. Hyde Donald Trump em um Dr. Jekyll, dando-lhe uma imagem “presidencial” e o tornando palatável para o Partido Republicano. Não deu certo. Trump se cansou do teatro — ele nem estava se esforçando tanto — e contratou, na noite desta terça-feira, 17, dois novos dirigentes de sua campanha, que gostam do seu lado Mr. Hyde.

Para o cargo de diretor executivo da campanha, Trump convidou Stephen Bannon, um ex-banqueiro que fundou e dirige desde 2007 o portal de notícias e opinião Breitbart News, agressivamente de direita. A especialista em pesquisas de opinião Kellyanne Conway, que já trabalha para o governador de Indiana, Mike Pence, vice da chapa de Trump, assumiu a coordenação da campanha. Bannon e Conway são amigos, conhecem Trump há muito tempo e vêm com a missão declarada de investir no seu estilo agressivo e nas suas qualidades populistas.

“Apertem os cintos”, avisou um funcionário da campanha a um repórter do jornal The Washington Post, sugerindo que vem chumbo grosso — embora seja difícil imaginar o que mais Trump pode dizer para chocar. Ele já disse que uma âncora da TV Fox que o criticou por seu machismo o fez porque estava “menstruada” no dia, já desqualificou os pais paquistaneses de um capitão morto lutando pelos EUA no Iraque, já inventou que Barack Obama e Hillary Clinton são “co-fundadores” do Estado Islâmico… Aliás, vários analistas têm advertido que esse é o drama de Trump: como continuar chamando a atenção, depois já ter empurrado tanto os limites.

O bilionário, que chegou a empatar com Hillary durante a convenção republicana, há um mês, vem despencando nas pesquisas. A média das sondagens, calculada pelo site Real Clear Politics, indica 47,2% para Hillary e 41,2% para Trump. A mudança na equipe é, em parte, reação a essa queda e à percepção geral de que, se nada acontecer, os republicanos vão perder. Mas é também resultado da irritação de Trump com a tentativa de Manafort de “controlá-lo” — no que, francamente, o experiente marqueteiro vinha fracassando rotundamente.

Manafort continua formalmente no cargo de chairman da campanha, mas o movimento é visto como um esvaziamento da sua função, ao estilo Trump de demitir. Ao trazer o próprio Manafort, em março, ele fez isso com o então coordenador de sua campanha, Corey Lewandowski, que foi mantido na equipe, até sair, em junho, já sem voz. A linha de trabalho de Lewandowski era justamente “deixe Trump ser Trump”, mas, no calor das primárias, o candidato sentiu a necessidade de conquistar o establishment do Partido Republicano, diante do risco de ser o mais votado entre os filiados mas não ser nomeado pelos delegados, na convenção. Manafort veio com essa missão, de moderá-lo.

Agora, Trump se livra dessa camisa de força, com a convicção de que não vai vencer Hillary ficando mais parecido com ela, mas apostando na sua diferenciação. Uma das coisas que o incomodavam era que estava cercado de pessoas que não o conheciam direito, tentando transformá-lo no que ele não era. “Conheço Steve e Kellyanne há muitos anos”, disse Trump em uma nota divulgada nesta quarta-feira. “Eles são pessoas extremamente capazes, altamente qualificadas, que adoram vencer e sabem vencer. Acredito que estamos acrescentando experiência e expertise necessárias para derrotar Hillary Clinton em novembro e continuar a compartilhar minha mensagem e visão para ‘tornar a América grande de novo’”, completou, repetindo o slogan de sua campanha.

De acordo com Michael Steele, um ex-dirigente republicano, Conway tem uma forte sintonia com Trump: “Ela sabe falar a língua dele”. Um dos temas das conversas entre Trump e Conway, no passado, eram índices de audiência na TV. Desde 2004 o bilionário tem o programa “O Aprendiz” na rede NBC. Conway trabalhou na campanha presidencial de 2012 de Newt Gingrich, ex-presidente da Câmara dos Deputados, e que apoia Trump. No ano passado, ela presidiu um grupo de captação de doações para a campanha do senador texano Ted Cruz, principal adversário de Trump nas primárias, e um dos líderes republicanos que se recusaram a apoiar sua candidatura, depois de sua vitória nas primárias e sua nomeação na convenção, no mês passado.

Descrito em um perfil publicado em outubro pela agência Bloomberg como “o operador político mais perigoso da América”, Bannon, ex-oficial da Marinha, é conhecido por sua agressividade e seu jeito extravagante — uma espécie de alter-ego de Trump. Ele trabalhou no Goldman Sachs antes de abrir seu próprio banco de investimentos, especializado em negócios no setor da mídia. Depois de vender seu banco, passou a trabalhar como produtor de filmes em Hollywood. Bannon fez um documentário sobre o ex-presidente Ronald Reagan e outro sobre a ex-governadora do Alaska Sarah Palin, candidata a vice-presidente na chapa de John McCain, em 2008.

De acordo com assessores do candidato republicano ouvidos pelo Washington Post, há meses que Bannon, em encontros e conversas pelo telefone, tem dito a Trump para não tentar suavizar seu discurso para agradar os doadores e os dirigentes republicanos mas, em vez disso, assumir seu perfil de outsider e de nacionalista. Trump considera que Bannon tem razão: os eleitores querem um candidato que represente a ruptura, mais do que um discurso elaborado, disseram as fontes.

Por sua vez, Manafort pode ser a voz “moderada” para os parâmetros de Trump, mas não está nada livre de controvérsias. Na segunda-feira, 15, o jornal The New York Times revelou que ele é investigado na Ucrânia por ter recebido US$ 12,7 milhões por meio de caixa 2 na Ucrânia, como pagamento por sua assessoria ao partido de Yanukovitch entre 2007 e 2012. Manafort assessorou a campanha vitoriosa de Yanukovitch à presidência, em 2010, e trabalhou até maio na Ucrânia.

Yanukovitch foi deposto pelo Parlamento em 2014, em meio a uma onda de manifestações que paralisou Kiev, a capital. Os protestos foram desencadeados por um recuo do então presidente em levar adiante o ingresso da Ucrânia na União Europeia. Yanukovitch recuou depois de uma reunião com o presidente russo, Vladimir Putin, que o convenceu a trocar a UE pela União Econômica Eurasiana, que reúne ex-repúblicas soviéticas e é liderada pela Rússia.

Além de marketing político, Manafort também fazia lobby em Washington e intermediava negócios entre a Rússia, a Ucrânia e os Estados Unidos. De acordo com o Times, o Ministério Público ucraniano está investigando um esquema de empresas offshore de prateleira, por meio do qual pessoas ligadas a Yanukovitch desviaram dinheiro público, usado para bancar um estilo de vida luxuoso, que incluiu a construção de um palácio com um zoológico privado, campo de golfe e quadra de golfe. Entre as transações investigadas está a venda de ativos de um canal de TV a cabo por US$ 18 milhões para uma parceria articulada por Manafort e pelo oligarca russo Oleg Deripaska, aliado próximo de Putin.

As revelações dos negócios de Manafort com pessoas ligadas a Putin tornaram ainda mais intrigante a atitude de Trump para com o presidente russo. Passando por cima de posições tradicionais dos republicanos, Trump tem feito manifestações de apoio a Putin, e chegou a dizer que não defenderia os países membros da Otan no Leste Europeu contra uma eventual agressão russa se eles não pagassem pelos custos da operação. Trump também se colocou a favor da anexação da Crimeia pela Rússia, depois da queda de Yanukovitch, argumentando que a população local, de maioria russa, prefere ser governada por Moscou. E já disse diversas vezes que admira o estilo de Putin e a maneira como ele defende os interesses da Rússia. Na última eleição, o candidato republicano, Mitt Romney, classificou a Rússia de Putin de “o maior inimigo geopolítico” dos EUA.

Enquanto Manafort perde espaço, Lewandowski, aquele que quer que Trump seja Trump, está de novo em ascensão. Segundo fontes da equipe de campanha, foi ele quem sugeriu ao candidato que convidasse Conway e Bannon. Agora comentarista de política na rede CNN, Lewandowski explicou assim a escolha de Trump: “Você tem um candidato que quer vencer. Essa é uma clara indicação disso. Se você olha para Stephen Bannon e o que eles construíram no Breitbart, é vencer a qualquer preço. E acho que isso deixa algumas pessoas na esquerda com muito medo porque eles (Bannon e Conway) estão dispostos a dizer e a fazer coisas que outros na grande mídia não fariam. A campanha quer provar ao pessoal da Clinton que eles vão levar essa luta diretamente contra ela”.

“A qualquer preço”, aqui, pode significar qualquer coisa. Incluindo uma derrota inesquecível. É o que temem muitos republicanos.

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