Menem vai propor dolarização em todo o bloco

Presidente argentino defenderá a moeda única durante reunião de cúpula em Campos do Jordão.

Na reunião de cúpula de sexta-feira, em Campos do Jordão (SP), o presidente argentino, Carlos Menem, proporá acelerar a criação de uma moeda única para o Mercosul, como antídoto para o tipo de crise que toma conta do bloco, desde a desvalorização do real. Levando adiante a idéia de adotar o dólar como moeda da Argentina, Menem avançará na proposta ao presidente Fernando Henrique Cardoso: por que a moeda única do Mercosul não pode ser o dólar?

Menem tem procurado mostrar, na Argentina, que a tese da dolarização prova mais uma vez que ele está à frente de seu tempo. Afinal, raciocina, no futuro, só existirão o dólar e o euro. Segundo fontes dos dois governos ouvidas pelo Estado, porém, o presidente argentino deve pressentir que uma proposta de dolarização do Mercosul não tem como prosperar.

Mas pode insistir nela, como forma de marcar presença na reunião de cúpula, no melhor estilo Menem. E de assumir posição inicial de negociação para aquilo que realmente lhe interessa: promover uma aceleração do processo que deve eventualmente conduzir a uma moeda única para o Mercosul.

Em qualquer caso, o propósito principal da reunião de cúpula, que será realizada numa casa de descanso do governador Mário Covas, tem conteúdo de marketing: sinalizar que o Mercosul continua firme e coeso.

Na própria Argentina, a idéia de adotar o dólar não conta com respaldo político. Ela foi rejeitada por três dos principais candidatos na eleição presidencial de outubro deste ano: o líder oposicionista Fernando De la Rúa, o justicialista dissidente Eduardo Duhalde, governador da província de Buenos Aires, e o ex-ministro da Economia Domingo Cavallo.

A dolarização poderia ter algum futuro nas hipóteses de o candidato de Menem, o cantor Ramón Palito Ortega, ex-secretário do Desenvolvimento Social, eleger-se, ou de o próprio presidente voltar a investir em sua “re-reeleição” – e ser bem-sucedido. As duas parecem um pouco remotas, no entanto, enquanto crescem as perspectivas de uma aliança, no segundo turno, entre Duhalde, Palito e Cavallo, contra o favorito De la Rúa.

Diante da reação vigorosa do governo brasileiro, Menem não insistirá na proposta ao Brasil de adotar um regime cambial semelhante ao argentino, o currency board (conselho de moeda). Se a unificação monetária parece distante, as discussões mais concretas e prementes girarão em torno da disposição da Câmara de Comércio Exterior (Camex) de rever os financiamentos para exportações brasileiras e eliminar restrições para o pagamento de importações financiadas.

Por enquanto, é apenas uma disposição. Uma delegação chefiada pelo secretário das Relações Econômicas Internacionais da chancelaria argentina, Jorge Campbell, reúne-se amanhã em Brasília com o secretário-executivo da Camex, José Botafogo Gonçalves, e a equipe do Itamaraty, para o detalhamento das medidas. As negociações prepararão o terreno para a reunião de cúpula de sexta-feira.

Segundo fontes do governo brasileiro, o País não trabalha com a hipótese da adoção de medidas unilaterais por parte da Argentina. Primeiro, porque os sinais emitidos de Buenos Aires têm sido reconciliatórios, nos últimos dias. Segundo, porque os argentinos sabem que o Brasil tem forte poder de retaliação. O Brasil é o destino de 30% das exportações argentinas, em automóveis, trigo, petróleo e leite. “Para onde eles vão vender isso?”, pergunta uma fonte.

Em terceiro lugar, essas medidas unilaterais, na forma de subsídios e de proteção a setores ineficientes, teriam alto custo para a própria Argentina.

Os argentinos sabem que a recíproca é verdadeira no que se refere às medidas que têm beneficiado os exportadores brasileiros.

Tanto Campbell quanto Menem argumentarão na seguinte linha: “Vocês não querem cortar o déficit público? Então, cortar os financiamentos para as exportações só vai ajudar.” O governo brasileiro já aceita esse ponto, como deixou claro, na quinta-feira, o embaixador Botafogo Gonçalves.

Autoridades tanto do lado argentino quanto do lado brasileiro enfatizam que o Mercosul é maior que a crise, embora ela represente o maior teste já enfrentado pelo bloco. O interesse de preservá-lo parte, acima de tudo, do próprio Brasil. Quase 200 empresas brasileiras têm negócios na Argentina, com um total de US$ 2,4 bilhões em investimentos. A Argentina é o maior importador de produtos industriais brasileiros, destacando-se veículos e autopeças, produtos químicos, de telecomunicações e aço.

O pior já parece ter passado, no clima das relações bilaterais. No calor da desvalorização, o presidente Carlos Menem quis dar opinião sobre o regime cambial brasileiro. Recebeu o troco, do então presidente do Banco Central, Francisco Lopes, que lhe sugeriu, em síntese, cuidar dos próprios problemas.

Depois disso, o tom foi baixando. O próprio Menem deu ordem a seus subordinados para que evitem declarações hostis.

Com isso, as tensões intensificaram-se internamente. O ministro da Economia, Roque Fernández, defensor de medidas protecionistas, está em confronto com o chanceler Guido Di Tella, artífice-mor da reconciliação com o Brasil.

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