Raúl alerta futuros dirigentes cubanos

‘Não se deslumbrem com os cantos de sereia’, diz líder em comemoração dos 50 anos da Revolução

SANTIAGO DE CUBA – O presidente Raúl Castro, de 77 anos, celebrou ontem o 50º aniversário da Revolução com uma advertência à próxima geração de dirigentes cubanos. “Falo em nome de todos os que lutaram, quando digo que se exige dos dirigentes de amanhã que não se esqueçam nunca de que essa é a Revolução dos humildes, pelos humildes e para os humildes”, disse Raúl, que citou seu irmão Fidel nove vezes, em seu discurso de 37 minutos, arrancando aplausos dos cerca de 3 mil convidados acomodados em cadeiras de plástico azul na Praça de Céspedes, em Santiago de Cuba.

“Que não se deslumbrem com os cantos de sereia do inimigo, e que a militância impeça que destruam o Partido”, prosseguiu o presidente, que também é general do Exército. “Se seus atos não estiverem em consonância com essa conduta, lhes faltará autoridade moral, que só surge das massas, e ficarão impotentes diante dos perigos internos e externos.” E acrescentou: “Estarão os ‘mambices’ de hoje, que não se deixarão enganar ideologicamente, e deixarão cair a espada”, referindo-se aos combatentes da independência da Espanha no fim do século 19.

A celebração foi tecnicamente impecável. O pronunciamento de Raúl foi antecedido da exibição de um vídeo de 18 minutos da história da Revolução e de discursos de uma menina, um jovem estudante de filosofia e uma veterana da luta armada, intercalados pela apresentação de três grupos de dança e de música. Frustrando as expectativas dos cubanos, que esperavam, com cartazes, a vinda de Hugo Chávez, o governo venezuelano foi representado pelo chanceler Nicolás Maduro e sua mulher, a deputada Cilia Flores. O presidente da Bolívia, Evo Morales, cuja presença era dada como certa em Santiago, também não apareceu.

Conhecida como “o berço da Revolução”, Santiago de Cuba tornou-se, nessa passagem de ano, lugar de peregrinação de esquerdistas do mundo inteiro, que vieram celebrar os 50 anos da derrubada do ditador Fulgencio Batista pelos guerrilheiros comandados por Fidel Castro. A Praça de Céspedes, no centro da cidade, foi ocupada por milhares de cubanos e estrangeiros, que acompanharam o hasteamento da bandeira de Cuba à meia-noite do dia 31, uma tradição iniciada em 1901 pelo então prefeito Emilio Bacardi, que a colocou no lugar da bandeira dos Estados Unidos, que ocupavam a ilha militarmente desde a independência em relação à Espanha, em 1898.

Grande ausente das celebrações, Fidel, de 82 anos, afastado por uma doença intestinal desde julho de 2006, assinou uma curta mensagem impressa no alto da primeira página do Granma, o órgão oficial do Comitê Central do PC: “Ao completar-se dentro de poucas horas o 50º aniversário do Triunfo, felicito nosso povo heróico.” O Granma de ontem trouxe também mensagens de congratulações dos presidentes da China, Hu Jintao, e da Rússia, Dmitri Medvedev, dois países com os quais Cuba tem estreitado relações políticas e econômicas.

Na noite de 1º de janeiro de 1959, Fidel, que comandara a revolução da Sierra Maestra, que domina Santiago, anunciou a vitória dos revolucionários da sacada da prefeitura da cidade, um prédio colonial em frente à Praça Céspedes, depois da fuga inesperada de Batista de Havana.

“Viemos celebrar 50 anos de humanismo”, disseram os argentinos Lisandro López, um jornalista de 27 anos, e Freddy Sciarratta, designer gráfico, de 40. Ambos de Rosario, a cidade natal de Ernesto Che Guevara, eles saíram de moto no dia 29 de novembro, para lembrar a proeza do líder guerrilheiro, que percorreu as Américas de moto nos anos 50, antes de se juntar aos revolucionários cubanos. “Apoiamos o antiimperialismo, a luta contra o bloqueio (americano contra Cuba), o orgulho e a audácia dos cubanos e os seus valores, destruídos pelo capitalismo.” López e Sciarratta deixaram a moto em Quito, onde foram recebidos pelo presidente equatoriano, Rafael Correa, e vieram para Cuba de avião, com as passagens pagas pela embaixada da Venezuela no Equador.

Os argentinos são talvez os mais numerosos entre os estrangeiros em Santiago de Cuba. Um jornalista argentino disse que três vôos charter vieram lotados do país. Há muitas pessoas de meia-idade, os homens de barbas brancas e as mulheres de roupas e sandálias ao estilo hippie, mas também muitos jovens, aparentemente atraídos pela mística de seu compatriota Che Guevara, que foi tema de três filmes nos últimos anos.

“Viemos conhecer o que foi feito pela Revolução, como as pessoas daqui vivem”, explicaram Renato Araújo, de 29 anos, professor de geografia numa escola privada, e Heloísa Escorel, psicóloga de 26 anos, ambos de São Paulo. “Este é um momento muito histórico.” Para o casal, a viagem foi um “aprendizado”. “Faltam muitas coisas materiais, mas eles têm uma dignidade que falta no Brasil às vezes”, disse Araújo. “Aqui, todo mundo pode estar em todos os lugares”, observou Heloísa. “Em São Paulo, até mesmo em hospitais e escolas, quem não tem dinheiro, não entra.”

Para o israelense Menachem Sagev, de 62 anos, Cuba lembra Israel em seus primórdios, quando era um país de orientação socialista. “As empresas estatais não são eficientes, mas, por outro lado, vemos as pessoas felizes com o que elas têm, apesar das dificuldades”, disse Sagev, técnico em comunicações aposentado.

Cidade de arquitetura colonial, 869 quilômetros a leste de Havana, terra natal dos irmãos Castro, Santiago está repleta de cartazes revolucionários, alguns impressos nas gráficas estatais, outros feitos à mão e colados nas fachadas das casas. Muitos deles lembram o assalto ao Quartel de La Moncada, em Santiago, em 26 de julho de 1953, considerado o início da luta armada. “Seremos eternamente fiéis a Fidel e a Raúl”, diz um dos cartazes. Outros afirmam: “Defenderemos a pátria até a morte”; “Revolução Cubana, exemplo de humanidade para o mundo inteiro”; “Teremos outros 50 anos de Revolução”, e “Fidel segue comandando a batalha de idéias”.

Publicado em O Estadão. Copyright: Grupo Estado. Todos os direitos reservados.

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