Depois de desprezar órgãos, governo reforça sua estrutura

Salário dos técnicos de nível superior dobrou e foram abertos concursos

 Quando assumiu, em 2003, o presidente Lula deixou claro o seu desprezo pelas agências reguladoras que, na sua visão, usurpavam poder dos ministérios. O governo demorava anos para indicar diretores para as agências – que, sem quórum, não podiam tomar decisões – e contingenciava suas verbas.

Em 2006, o governo criou a Agência Nacional de Aviação Civil (Anac), nomeando diretores que não entendiam nada de aviação, e ganharam o apelido de “pilotos sem brevê”.

Sobrevieram os desastres – no sentido literal. O “apagão aéreo” desnudou o descontrole sobre o setor. A diretoria da Anac foi inteiramente substituída por técnicos.

“A crise que colocou a Anac na berlinda foi muito útil para mostrar ao governo e à sociedade a importância de levar a sério a engenharia institucional das agências reguladoras”, recorda Lucia Helena Salgado, do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea).

“Quando fui convidado, já não havia mais controvérsias sobre se as agências deveriam existir”, diz Ronaldo Sardenberg, presidente da Anatel há dois anos e ministro da Ciência e Tecnologia no governo de Fernando Henrique Cardoso. “Não tive evidência de interferência do governo.”

Obedecendo ao interesse do governo de concentrar o setor em três grandes empresas, a Anatel modificou as regras para permitir que a Oi comprasse a Brasil Telecom. “Sabíamos do interesse do governo, mas o processo foi conduzido de maneira técnica”, garante Sardenberg. “A situação evoluiu de duas operadoras muito grandes e duas médias para três grandes. Acho que com isso há mais possibilidade de concorrência.”

A Anatel é acusada de ter sido branda com a Telefônica, cujo serviço de internet Speedy tem apresentado problemas em São Paulo. “A agência deveria ter sido mais proativa”, diz Marcos Pó, do Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec). Sardenberg defende-se dizendo que desde julho de 2008 abriu seis processos administrativos contra a empresa.

Jerson Kellman, que dirigiu a Aneel entre 2005 e 2008, é outro exemplo de indicação apartidária: ele havia sido presidente da Agência Nacional de Águas entre 2001 e 2004, no governo FHC. Sofreu com o descaso do governo: “Ficamos quase um ano só com três diretores”. Mas também garante que nunca sofreu pressões do governo.

Do orçamento de R$ 381 milhões da Anatel em 2008, R$ 354 milhões foram realizados. “Não é suficiente”, diz Sardenberg. Para este ano, o orçamento da agência é de R$ 560 milhões, mas ela espera receber R$ 420 milhões. Já Nelson Hubner, diretor-geral da Aneel, diz que não gastará todos os R$ 365 milhões arrecadados com a taxa na conta de luz destinada à agência. No ano que vem, esses encargos serão revistos.

Os salários dos técnicos de nível superior das agências dobraram no governo Lula, para em torno de R$ 10 mil. Isso tem diminuído sua cooptação pelas empresas dos setores respectivos. Têm sido abertos concursos para centenas de vagas.

O projeto de lei que tramita na Câmara torna cada agência uma unidade orçamentária. Para o deputado Ricardo Barros (PP-PR), relator do projeto, isso lhes dará independência financeira em relação aos ministérios aos quais estão vinculadas.

Ao lado da autonomia, a transparência é outro conceito-chave. Ao contrário da Aneel, cujas sessões são transmitidas pela internet, a Anatel se reúne a portas fechadas. Segundo Sardenberg, isso se deve à lei, que preserva o sigilo comercial das empresas.

Lucia Helena, membro do Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) entre 1996 e 2000, discorda: “O sigilo pode ser preservado em reuniões abertas, criando-se uma versão pública e outra confidencial dos relatórios. Todas as reuniões do Cade são públicas e nunca vazou informação.”

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