Assassinato ocorre horas depois da morte de xiita em confronto com sunitas
BEIRUTE – A tensão no Líbano se elevou ontem, com o assassinato de um militante sunita do Partido do Futuro, do primeiro-ministro Fuad Siniora, por um grupo de manifestantes xiitas. Mohamed Mustafa Eitani, de 26 anos, um líder do movimento estudantil do partido, foi morto com dois tiros na porta de sua casa em Beirute, por xiitas que voltavam da manifestação promovida pelo Hezbollah e seus aliados exigindo a renúncia de Siniora. Eitane foi assassinado algumas horas depois de o xiita Ahmed Ali Mahmud, de 20 anos, ter sido morto a tiros num confronto com sunitas, num bairro vizinho.
Muitos temem que a crise desencadeie uma nova guerra civil no país. Desde sexta-feira, quando os partidos xiitas Hezbollah e Amal e seus aliados cristãos reuniram 800 mil pessoas exigindo a renúncia do governo, começaram choques entre xiitas voltando das manifestações diárias e moradores de bairros predominantemente sunitas que eles atravessam no caminho de casa.
No fim da tarde de domingo, ocorreu a primeira morte. Dezenas de jovens xiitas passavam com pedras e bastões de madeira, danificando carros e lojas, na área de Nouari, predominantemente sunita, quando um morador abriu fogo e matou Mahmud. Logo depois, no bairro vizinho de Basta, também sunita, cerca de seis ou sete xiitas depredavam a vitrine de uma loja quando foram abordados pelo filho do dono, Abu Ali Eitani, um soldado do Exército. Eles dispararam um tiro, que atingiu o soldado de raspão no pescoço.
Mais tarde, na mesma rua, Mohamed, da mesma família de Abu Ali, estava chegando em casa por volta da meia-noite. Ele vinha de uma reunião com colegas da Fundação do Futuro, criada pelo primeiro-ministro Rafic Hariri, morto num atentado a bomba em março do ano passado. Mohamed Eitani trabalhava na rede de assistência médica e social da fundação. Foi alvejado com dois tiros, depois que se separou dos colegas com os quais caminhava, o que sugere que estava sendo seguido.
Eitani morreu no hospital ontem por volta de 13h. E foi enterrado ontem mesmo, antes de ser divulgada sua morte, por orientação dos líderes do partido e de seus aliados no governo, que tentam evitar um transbordamento da violência. As ruas de Beirute estão tomadas por tanques do Exército.
Num outro incidente, cerca de 20 militantes xiitas com armas de fogo e facas seqüestraram seis homens sunitas em Chamoun, ao sul de Beirute. Durante seis horas de cativeiro, os reféns foram espancados e feridos com as facas. Eles foram soltos depois que o pai de dois eles, da família Kadmani, dono de uma funilaria, pediu socorro a um cliente, integrante do Hezbollah.
O Partido do Futuro divulgou à noite uma nota, na qual afirma que o autor do disparo que matou o jovem xiita não pertence a seus quadros, e que “elementos estranhos” estão agindo para desencadear uma onda de violência política no país.
Esse tipo de insinuação costuma ser dirigido à Síria, acusada de estar por trás dos assassinatos de Hariri – que resistia à influência do país sobre o Líbano – e do ministro da Indústria e do Comércio Pierre Gemayel. Filho do ex-presidente Amin Gemayel, líder das Forças Libanesas, antiga milícia cristã maronita desarmada depois do fim da guerra civil (1975-90), Pierre foi morto a tiros numa emboscada no dia 21, quando o governo tentava aprovar a criação de um tribunal internacional para julgar os suspeitos do assassinato de Hariri, ligados à inteligência síria.
Apesar da oposição do Hezbollah e da Amal, a criação do tribunal acabou aprovada pelo gabinete. Os cinco ministros dos dois partidos, e mais um sexto, ligado ao presidente cristão maronita Emile Lahoud (pró-Síria), retiraram-se do governo. Lahoud vetou o projeto. Para reverter o veto, seria necessária a aprovação do Parlamento, no qual o governo tem maioria. Por isso, o presidente do Parlamento, Nabih Berri, líder da Amal, não permite que a Casa se reúna.
Os partidos xiitas e seus aliados cristãos dizem que os milhares de manifestantes, alguns acampados em duas praças, só desocuparão a área ao redor do Grand Serail, o palácio do governo, depois que o gabinete se dissolver e forem convocadas novas eleições. Além de Siniora, 17 dos 30 ministros estão refugiados no palácio. Fontes do governo disseram ontem ao Estado que esperavam uma tentativa de invasão nas próximas 48 horas.
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