‘Não existe uma administração pura’

Para secretário de Governo, a educação deve ter mediação política, não partidária

Quem conhece os meandros do poder em São Paulo sabe que o verdadeiro operador político da cidade é o secretário de Governo, Rui Falcão. Nada de importante acontece na administração sem o seu crivo. Mais que isso: sem que tenha sido objeto de sua arquitetura.

Espécie de José Dirceu municipal, Falcão é o estrategista no governo, o articulador na Câmara e no partido. Foi dele a idéia de transformar os Centros Educacionais Unificados (CEUs) na grande plataforma de Marta Suplicy, não só para a reeleição, mas para um sólido projeto de consolidação política do PT no município. 

Enquanto a prefeita seguia para sua residência, no meio da tarde de sexta-feira, para se preparar para seu casamento do dia seguinte, Falcão recebeu o Estado no Palácio das Indústrias, para uma rara entrevista. 


Estado – O mapa dos CEUs é o mapa do voto?

Rui Falcão – Não. O nosso principal compromisso de governo era com os programas sociais. Hoje, dos 96 distritos, estamos presentes, com programas sociais, em mais de 50. A próxima fase traz um dado curioso. Há bolsões de pobreza fora das áreas do mapa de exclusão social: no Brás, Barra Funda, Morumbi, etc. E os programas sociais estão entrando aí. Os CEUs tomaram como critério o mapa da exclusão, demanda, ausência de equipamentos culturais, esportivos e até as escolas de latinha, uma chaga que queremos remover. Além disso, estamos fazendo obras, serviços e melhorias em regiões da cidade onde não ganhamos a eleição.

 

Estado – Como coincidiu de os CEUs serem criados em áreas de forte votação do PT, os gestores eleitos são do partido?

Falcão – Ninguém pediu carteirinha. O critério é profissional, não partidário. Não sei o resultado das eleições para gestores. É como acontece nos Conselhos Tutelares. Fizemos eleições com acompanhamento do Tribunal Regional Eleitoral. Pela sua lógica, também, como tem muita gente do PT naquele bairro, uma boa parte dos conselheiros tutelares é do PT. Aí, como é que eu faço? Mas o critério não é eleitoral nem partidário. Quando nosso critério é partidário, assumimos claramente. Por exemplo, o governo é montado por três critérios: fidelidade ao programa, idoneidade ética e moral e competência para o cargo. O critério da gestão pública é atender ao conjunto da cidade. Agora, estamos fazendo um governo com inversão de prioridades. As subprefeituras são também uma escolha de botar o Estado lá onde ele está ausente.

 

Estado – Muitos diretores de escolas se queixam de que agora dependem da boa vontade dos subprefeitos.

Falcão – Na área da saúde, pode haver queixas semelhantes. O problema não é a partidarização. É a mudança na maneira de administrar a cidade. Montar um sistema de subprefeituras significa distribuir poder. E não é poder para um partido ou um político. O poder, que está nos órgãos centrais da administração, vai se dirigir para os bairros, para a periferia. Algumas secretarias se tornarão normativas. Algumas provavelmente vão desaparecer. Isso cria um novo relacionamento nas esferas do poder que suscita contradições. Uma rede escolar que tinha autonomia corporativa agora tem que fazer mediações políticas.

 

Estado – Isso não prejudica o critério técnico?

Falcão – Não. Você não pode deixar o ritmo dos processos, a eficiência do sistema de formação, o modelo pedagógico ser comprometido por mediações políticas. Mas também é verdade que não existe uma administração pura. Até nas empresas existe política, disputa de poder, mediações. Às vezes o empresário admite até prejuízos do ponto de vista da eficiência para poder ganhar lá na frente. Os alunos, hoje, têm uniforme, a família pode levar os filhos à piscina. Nesse aspecto, você pode imaginar que vá ter ganho eleitoral. Essa política põe o aluno como alvo principal do processo de aprendizagem. Essa é a grande mudança, e não a localização física do equipamento.

Estado – Diante da pressão fiscal, do aumento da carga tributária nas regiões de classe média e alta, o CEU cria condições para que as verbas da educação sejam canalizadas para a periferia num projeto que, como o sr. disse no início do ano, tem de ter visibilidade?

Falcão – Não. Primeiro, é preciso ver o que você chama de carga tributária. Hoje, tem menos gente pagando imposto do que no começo do nosso governo. Segundo, que a política tributária mais criticada não foi o aumento do IPTU. Foram as taxas do lixo e da iluminação, que atingem setores próximos dessas áreas (de melhor votação do PT). Por essa lógica, eu não deveria ter feito a taxa do lixo. A de iluminação foi medida federal para todos os municípios. A nossa é bem menos acentuada que em municípios vizinhos.


Estado – Por que só há um CEU na Zona Norte, onde a votação do PT é menor?

Falcão – Nós vamos fazer mais lá. Uma coisa que talvez você não esteja captando é que parte da região norte, naquela região chamada janista, onde sempre perdemos eleição, estamos muito bem agora, segundo nossas pesquisas. Além dos critérios de que lhe falei, há o orçamento participativo. Por que tem um hospital em M’Boi Mirim e outro em Tiradentes? São dois lugares onde ganhamos a eleição e provavelmente vamos ganhar. Será que é por isso que estamos localizando os hospitais lá? Porque são áreas descobertas. Todas essas regiões onde estão os CEUs não tinham absolutamente nada. Posso lhe assegurar que não fizemos esse mapa com o desempenho eleitoral da prefeita. Você poderia ter estendido o seu raciocínio para os programas sociais, também. O recorte é semelhante. A diferença é que os CEUs são mais visíveis, como você disse. Votos, no caso de alguém que vai para a reeleição, significam aprovação do trabalho. Para nós, é bom saber que as pessoas vêem os CEUs como possíveis de resultar em aprovação. Eu poderia dizer que onde a votação do PT é ruim deveríamos pôr CEU, já que o CEU é tão bom.

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